CANARICES
Caríssima/o:
Vivemos, há dois sábados, debaixo duma tempestade feroz que destruiu e devastou tudo por onde passou: casas, casebres, muros, árvores, frutos, … e até pessoas. Quando apanhados e arrastados, a confusão e a desorientação estrangulam-nos e, depois do discernimento, roubam-nos a voz e a possibilidade de gritar por socorro. Então, aos baldões ou rojando pelas pedras e areias enlameadas, fugimos à cata de uma revessa que nos premeie com alguma tranquilidade.
Já noite seria quando nos encontrámos na sala e ouvimos o pipilar dos dois canários que não davam sinais da passagem do furacão. Por momentos se esqueceu a agitação, o baloiçar, o reboliço, para reviver o encontro primeiro com os passaritos: o Gaivota e a Pinta. A coisa mais simples do Mundo:
- Ó Manel, queres um canário? – perguntou, oferecendo, o Ricardo. E logo a Leonilde acudiu:
- Para esse macho, o Gaivota, a fêmea indicada é esta, mais escura…
E foi assim que me encontrei neste cenário encantado de tratador e criador! Olhem bem e só: criador!
Criador e a sério, era o Manuel da ti Áurea, o Manuel Gafanhão. Aquilo até dava gosto ver o bigode dele a rir-se às escâncaras quando abria a porta da gaiola e os canários saíam e em liberdade perfeita andavam pela casa e se permitiam poisar-lhe na mão, no ombro… Pasmo, quase incredulidade! Uma das maiores canarices que presenciei e que muitas lágrimas fez correr foi a que naquela tarde o seu canário de estimação protagonizou: imaginai a porta da gaiola aberta inadvertidamente e o canário, o tal, o especial, sair sorrateiro, e pé ante pé aproximar-se da janela da marquise entreaberta e, num abrir de asas, projetar-se para o espaço… E lá foi!
Ora o irmão, o Carlos da ti Áurea, também lhe conservou o gosto e acha que não há maior maravilha que, sentado, apreciar a ninhada dos canários!
Como a vida é um círculo, o Ricardo, que é seu primo, informou-me muito ufano:
- Olha este aqui: é o pai deles todos! Foi o Carlos que mo ofereceu quando regressei da Alemanha!
A limpeza e a calma das dezenas de passarinhos mostraram-me um casal feliz e amigo, partilhando uma das suas riquezas.
Bom ano, Amigos!
Manuel
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