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sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Origens do Vocábulo Gafanha

Origem do Vocábulo GAFANHA  (Síntese elaborada por Mons. João Gaspar)


:Qualquer estudo que se faça sobre a nossa terra, leva, inevitavelmente, os seus autores a debruçarem-se sobre as origens do vocábulo Gafanha, sem que até hoje alguém tenha chegado a qualquer verdade absoluta. A palavra Gafanha não escapa à dificuldade natural e ainda hoje não é possível saber-se concretamente qual a sua origem. Sobre ela, falei várias vezes com o tio João, o primeiro gafanhão que me falou da “Monografia da Gafanha”, escrita pelo Padre João Vieira Rezende, antigo pároco da Gafanha da Encarnação e bem conhecido do meu amigo. Não conhecia a obra do Padre Rezende, mas não descansei enquanto não a li. Ainda hoje, agora com edição da Câmara Municipal de Ílhavo, se mantém como ponto de partida ou de referência para diversos estudos sobre esta região.
A “Monografia da Gafanha” do Padre João Vieira Rezende, obra que viu a luz do dia, na sua primeira edição, em 1938, continua a ser o trabalho mais completo sobre esta região das Gafanhas, não obstante terem passado quase 70 anos sobre a sua publicação. Nela afirma o Padre Rezende que a palavra Gafanha teria derivado de gadanhar (cortar com a gadanha) uma vez que por aqui havia bastante junco que os primeiros habitantes empregavam não só nos currais dos animais como nas próprias habitações. Os primeiros gafanhões ou quantos por aqui gafanhavam, ou, melhor dizendo, gadanhavam, eram analfabetos ou semianalfabetos, daí se justificando a troca do d pelo f. Aliás, trocas dessas sempre aconteceram na Gafanha, como, por exemplo, nos dias de hoje, quando se diz buano em vez de guano, ou Ílhabo, em vez de Ílhavo, com a conhecida e persistente troca do v pelo b.
Diz o Padre Rezende que a expressão “vamos à gafanha do junco” significava “vamos à gadanha (gadanhagem, corte) do junto”. E diz, ainda, que o senhor Manuel das Neves, mestre não diplomado das primeiras letras, falecido em 1927, com 83 anos, na Gafanha da Encarnação, contava que, “quando menino, vinham por aqui, com frequência, umas mulherzinhas cortar e apanhar feno e junco que levavam para as suas terras e que, a esta acção de cortar com o foicinho, aplicavam o termo de gafenhar.” Gafenhar e não gafanhar. “Corrompeu‑se o termo das pastoras dos suínos, que levavam para Mira, Calvão, Lombomeão, etc., os fenos gafenhados por estes sítios.”
Excluída a hipótese gafaria, por não haver qualquer documento ou vestígios que situem uma leprosaria por estes lados, resta-nos seguir outros caminhos, talvez mais convincentes. O Padre Rezende também não concorda com a derivação da palavra árabe gafar (tributo que se paga pela passagem de um rio) por se saber que, ao tempo da ocupação árabe, a Gafanha, ou a zona actual das Gafanhas, nem sequer existia!
O Dr. Joaquim da Silveira, em carta que enviou ao autor da Monografia e publicada na segunda edição (1944), tece algumas considerações sobre a questão, dizendo, nomeadamente: “Gafanha, leva-me naturalmente a relacionar esse nome com o adjectivo gafenho, também pronunciado gafanho, que existe na língua (a par dos sinónimos gafento e gafeirento) para significar gafado, doente de gafeira.
Eu ouvi gafanha no mesmo sentido, aplicado a carneiros e cabras atacados de morrinha, que é uma das modalidades da gafeira (sarna leprosa).” E continua: “Sabe-se que uma das consequências da gafeira, ou seja a lepra, doença tão horrorosa nas pessoas ou nos animais, é fazer cair o pêlo, tornando a sua pele nua, seca, ronhosa, e deixando apenas aqui e ali (quando deixa) um ou outro tufozito de fios sem vigor.
Na espécie humana recurva e enclavinha os dedos das mãos (e às vezes dos pés) que ficam hirtos e enganchados.” Diz mais adiante: “Ora a vegetação, que é o pêlo da terra, desapareceu por completo da Gafanha, ou mal se notava nuns raros pinheiritos tortos e enfezados da sua parte norte. Era uma região árida, estéril, parecendo gafada (gafenha) e maldita por Deus. Uma metáfora tirada daquele triste espectáculo dos indivíduos leprosos (principalmente do glabrismo da pele, semelhante à superfície calva das areias, e talvez do recurvamento rígido dos dedos, de que os pinheiros contorcionados davam ideia) deve a meu ver, ter dado origem ao nome da Gafanha.” E acrescenta: “Na minha aldeia natal (Fogueira‑Anadia) havia um baldio arenoso e sáfaro, que ainda conheci povoado apenas de magras e descontínuas moitas de mato, chamado Gafanha. E no Alentejo, na freguesia e concelho de Redondo, há igualmente uns casais chamados Gafanhas ou Gafanhas-de-João-Curado.”
Em nota à margem da sua carta, refere, ainda: “No Caramulo, como me informou pessoa de Campia, usa-se o adjectivo gafanho para designar uma espécie de tojo, que tem os ramitos mais delgados que o negral e os picos mais pequenos e fracos. É talvez do aspecto dos ramitos, que parecem quebrados, que lhe vem o nome. Na Bairrada ao tojo-gafanho chamam chamusco ou tojo-chamusco.” No III Volume da Etnografia Portuguesa, José Leite de Vasconcelos apresenta, no capítulo dedicado à Gafanha, na página 331, uma Anotação Filológica de muito interesse que transcrevemos por vir a propósito: “Tratando da etimologia de gafanhoto, escreve Gonçalves Viana que tal palavra tem aspecto de diminutivo (cf. perdigoto), a que corresponde o aumentativo gafanhão (gafanhoto grande), e supõe que devemos admitir como palavra primitiva gafanho ou gafanha; a primeira não a pôde abonar, ao passo que a segunda abona com o nome da nossa sub-região; e alega paralelos na toponímia, a saber, Gafanhão (em Castro Daire), Gafanhoeira (em Arraiolos e Évora).” Pela minha parte adiciono Gafanhas (no Redondo) e Gafanhoeiras (em Reguengos de Monsaraz). Julgo muito sensata a explicação apresentada pelo nosso grande filólogo – ao contrário de outras que se têm proposto –; a ela me inclino, e direi em seu apoio mais o seguinte: “Que Gafanha era na origem nome comum prova-o o receber o artigo definido (a Gafanha).” “A Gafanhão, no sentido de Gafanhoto grande, liga-se Gafanhoeira com o seu plural, como Sardoeira e Sardoeiras e sardão; mas em fazenda, herdade, a horta do Gafanhão (Alentejo) creio que, conquanto aí se patenteie o referido aumentativo, correspondente a gafanhoto, havemos de ver, não um nome puro e simples de animal, e sim uma alcunha tornada topónimo, de que na nossa língua há inúmeros exemplos”. “Em suma: Gafanha seria na origem um nome zoológico, ou aparentado biológica ou metaforicamente com o gafanhoto, ou ao menos formado como gatanho (tojo-gatão), onde entra o sufixo anho, deduzido de murganho (nome de estirpe latina), e aplicado no feminino.”
Depois das considerações autorizadas do sábio Leite de Vasconcelos, ocorre-nos ainda chamar a atenção para o substantivo Gafa (vaso que servia nas salinas para transportar sal) uma vez que, nestas paragens, sal foi coisa que sempre houve. O ilustre historiador aveirense, Mons. João Gonçalves Gaspar, em estudo oportuno, inclina-se para a hipótese de Gafanha derivar de Galafanha e acrescenta que “Galafanha sempre me serviu de pista para, em confronto com outros nomes de locais ou povoações relacionados com água, descobrir algo mais consentâneo com esta região e com os primitivos juncos nascediços ou ervas selvagens, que por aqui foram aparecendo ao deus-dará e reproduzindo-se sem qualquer entrave. Dentro dos meus limitados conhecimentos, agrada-me ver essa palavra como um composto originário de dois antigos étimos ou radicais diferentes – “gala” e “fânia” – ambos de procedência pré-romana, que, como outros, continuariam a ser comuns ao linguajar do povo, por vezes com feição latina.”
“No caso de “Gala”, também encontramos variantes como “ala”, “cala”, “pala”, “sala”, “tala”, “vala”... – todos a quererem significar zona lacustre, terra pantanosa ou lamacenta, região de argila ou barro”. E diz mais: “Não será, de facto, toda esta zona das Gafanhas uma grande “Gala” maior do que a dos arredores da Figueira?” Sobre “fânia”, Mons. João Gonçalves Gaspar diz, entre outras considerações: “no português antigo usava-se “fânio” para designar uma espécie de junco semelhante ao papiro, planta essa própria das margens dos rios e dos lugares inundados.”
Também o nosso conterrâneo, padre Manuel Maria Carlos, se debruçou sobre o assunto em artigo publicado no Timoneiro de Setembro/Outubro de 1980, acrescentando ao que se tem dito as seguintes considerações: “... o nome inicial de Gafanha devia ter sido Cafânia ou Gafânia, derivado de Gafano. Comparemos com Lusitânia, com Hispânia (que deu Espanha), Bretânia (Bretanha), Alemânia (Alemanha), etc.” Diz que Gafanha “não tem origem românica porque em latim não existe qualquer étimo ou raiz “Caf” ou “Gaf”. Sendo assim, a origem do nome em questão ou é anterior à presença dos Romanos na Península, ou então foi nome dado a esta nossa região pelos povos que posteriormente ocuparam estes territórios.” Aquele gafanhão alvitra a hipótese de terem sido os Bárbaros os que estiveram na base do aparecimento da palavra Gafanha, uma vez que estes povos por cá deixaram algumas palavras de origem germânica. Depois recorda que “Gaf” é a raiz de muitas palavras e que Gafa aparece com inúmeras acepções, significando, por exemplo, gancho, doença da lepra, caranguejo, etc. Gafar pode ser verbo, significando agarrar, submeter... e também pode ser substantivo, significando, neste caso, o tributo que os cristãos e os judeus pagavam aos turcos, quando estes os passavam duma à outra margem do esteiro. É possível que este esteiro fosse o estuário do rio Vouga; até porque estuário e esteiro têm idêntica etimologia.
Recorda‑se a propósito que existe actualmente na freguesia do Bunheiro, concelho da Murtosa, um lugar chamado Esteiro, apesar de não existir lá actualmente qualquer esteiro. Diz, por fim, que “Gafano seria, portanto, o homem destas terras, que estava gafado (agarrado, submetido) pelas doenças ou pelos turcos, a quem estava sujeito e a quem tinha de pagar a passagem do esteiro. Gafânia ou Gafanha seria portanto a terra dos Gafanos.”
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Fernando Martins
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domingo, 1 de junho de 2008

Ganhar tempo

Quando o tio João me contou o espírito de entreajuda que existia entre os gafanhões da sua geração e das anteriores, logo me levou a reviver cenas que eu próprio tinha experimentado. Cenas que mostravam o espírito da vizinhança bastante acentuado, que se confirmava na cedência dos fósforos que se tinham esgotado, do ovo que faltava, do sal que tinha acabado, das couves para as refeições de todos os dias, que as do próprio quintal ainda não estavam à moda de apanhar, e do azeite que deixara de escorrer da garrafa. As pessoas gostavam de trabalhar em conjunto. As tarefas agrícolas eram participadas pelos familiares e vizinhos, na certeza de que no dia seguinte estariam nos terrenos de outros ou nos seus, quando chegasse a sua vez. Trabalhavam para “ganhar tempo”, como se dizia e eu tanto observei. Nas desmantadelas do milho, ao serão para juntar mais vizinhos, havia o bom gosto de brincar. Num desses serões, uns trolhas que trabalhavam na Gafanha e que tinham vindo dos lados da Murtosa, apareceram com uns lençóis pela cabeça e umas máscaras improvisadas para esconderem as suas identidades. Foi uma noite bastante divertida, cada um procurando adivinhar quem seriam os mascarados. Só muito tarde, noite adiantada, se soube quem eles eram. Nunca percebi a razão destas brincadeiras que se mantêm na minha memória. Vinham, depois, as malhadas, com o recurso ao malho. Gente possante e treinada para marcar a cadência, à força de tanto bater lá conseguia separar os grãos do milho do caroço. O mesmo acontecia com a cevada, centeio ou aveia, os cereais mais cultivados nas Gafanhas. Contudo, muito frequentemente os malhos e a força humana eram substituídos pela caminhada cadenciada das vacas dos proprietários e vizinhos sobre os cereais colocados com jeito na eira. Estou a ver os mais jovens a imaginarem o que aconteceria quando as vacas precisassem de fazer as suas necessidades! Pois foi fácil, ou não andassem os nossos avós habituados a contornar as dificuldades. Inventaram uma retrete ambulante muito prática e higiénica: ao lado da roda formada pelas vacas em marcha, na eira, postava-se, atento, um garoto, com um bacio na mão, à espera que um qualquer animal resolvesse esvaziar a tripa ou a bexiga! Porém, as manifestações comunitárias não se circunscreveram, nos primórdios da Gafanha, aos trabalhos agrícolas, mas estenderam-se, também, a outras actividades mais ou menos importantes. Recordo ainda hoje a azáfama no fabrico dos adobos nos areais esbranquiçados, junto à mata. A cal viva era transportada em carros de bois desde os locais de origem, das bandas da Bairrada, até à Gafanha. Uma vez nos areais, era queimada pela simples junção de água dum poço que ali mesmo era aberto. Juntavam-se, depois, as famílias dos nubentes e os amigos e vizinhos, com os mais entendidos no comando das operações, para amassarem a cal com a areia e para moldarem os adobos em formas previamente feitas de tábuas. Os mais experientes manejavam a colher da cal, ajeitando e apertando a massa sobre a forma de madeira, que era retirada, pouco depois, para se continuar a operação tantas vezes quantos os adobos necessários. E ali ficavam eles a secar à torreira batida pelos ventos que só os pinheiros enfrentavam corajosamente. Vinham, a seguir, as “ajuntadelas”. O mesmo rancho lá ia empilhar os adobos para que adquirissem a consistência que só o tempo podia dar. Nas vésperas da construção da casa, procedia-se à “acartadela” em carros de bois ou de vacas postos à disposição dos interessados pelos que os possuíam. Sabiam estes que tais favores eram sempre compensados, em maré semelhante, pelos que eram agora beneficiados. Depois, essa mesma gente ajudava, na hora própria, a “levantar a casa”, tarefa orientada pelo mestre ou familiar mais conhecedor. Logo que a casa ficasse coberta, e quantas vezes sem o mínimo conforto, ali se recolhia o jovem casal para iniciar vida nova sob a bênção de Deus e dos pais. Os acabamentos seguiriam quando houvesse dinheiro, porque o hábito de “ficar a dever” foi coisa que surgiu apenas nos nossos dias.
FM

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Lugares da Gafanha da Nazaré

A Gafanha da Nazaré estava dividida em diversos lugares, fundamentalmente para definir a residência dos seus moradores. As habitações, na sua maioria modestas, eram construídas segundo a disponibilidade de terreno dos gafanhões. Mesmo nos princípios do século XX, as ruas e estradas eram poucas, fazendo-se as ligações às terras vizinhas, aos campos agrícolas ou entre os habitantes por simples caminhos de areia, que o rodado dos carros das vacas iam marcando. Não havia outra forma de indicar, por isso, as moradas dos gafanhões, que por estes areais se foram fixando. Foi, pois, natural a divisão da Gafanha da Nazaré em lugares, com designações que ainda hoje perduram, mas já sem qualquer importância. Presentemente, com ruas baptizadas e numeração das portas, é muito fácil dar com a casa ou pessoa procurada. Para a história, portanto, aqui ficam os lugares da Gafanha da Nazaré: Bebedouro, Cale da Vila, Cambeia, Chave, Forte da Barra, Marinha Velha, Praia da Barra e Remelha (ou Romelha?). Sobre cada lugar hei-de pronunciar-me num futuro próximo. FM

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TRADUÇÃO

GAFANHA -Séculos X-XII

O mar já andou por aqui... E se ele resolve regressar? Não será para o meu tempo, mas pode acontecer um dia!