A maneira de falar...
«A maneira de falar, um
tanto ou quanto cantada, com alguma malícia pelo meio, entre risadas
contagiantes, é que me encantava.
Levemos a nossa memória até
lá atrás e ouçamos a Ti Maria e o Ti Atóino. Vinha ela desaustinada porque a
canalha lhe estragara as batatas ali ao pé da escola da Tia Zefa. Estava
arrenegada.
O ti Atóino vinha da borda,
onde andara ao moliço para o aido. Antes da maré, porém, deitara-se a
descansar, com o corpo moído, na proa da bateira que ia à rola. Sem saber como,
e com uma nassa, apanhou uns peixitos para a ceia (o jantar de hoje). Já não
era mau. Naquele dia não comeriam caldo de feijão com toucinho, com um bocado
de boroa. Sempre seria melhor.
— Atão queras ver, Atóino, o
que a canalha da scola fez? Andou por riba das batatas a achar a bola e
‘stragaram-me tudo. Tamém andaram à carreira atrás uns dos oitros a amandar
pedras e ao acaça. Se andassem com relego, ainda vá que não vá. Mas nã. Andavam
a toda a brida, como que a atiçar comigo. E se calhar a professora estava
abuzacada na sala. Isto está mal, no achas?
— Pois é verdade, Ti Maria.
Nã são coisa que se faça. Anda um home a gastar dinheiro em batatas e buano, muitas
vezes sem se astrever e estes mariolas, num’stante deixam tudo ‘struído. Era só
a gente atirar-lhe com um balde d’ auga, para eles aprenderem. São a mode
tolinhos e alonsas. Mariolas!. Vossemecê já falou com a professora? Se ainda
nã, vá lá e diga-lhe que ó despois não se arresponsabiliza. São uns
desalservados, uns desintoados.
— Tens razão, Atóino. Vou lá
num‘stante, antes que seja tarde. Amanhê tamém falo cos pais. Sempre são homes
e melheres pra darem uns estrincões aos miúdos, pra eles aprenderem. Opois num
se quexem.»
Fernando Martins,
de uma palestra proferida num colóquio
do Grupo Etnográfico da Gafanha da Nazaré
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