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sexta-feira, 18 de novembro de 2016

A Gafanha e a sua água taumaturga

Se fosse hoje, D. João gostaria desta água serena

«À Gafanha, a Verdemilho, a São Bernardo e à Presa eram os passeios que eu mais preferia nas minhas férias de professor de Coimbra.
Quem me levava sobretudo à Gafanha era a água que, taumaturga por excelência, com o seu contacto, com o seu murmúrio, com as suas frescas exalações, me aquietavam brandamente os nervos, mais ou menos fora do ritmo pela continuidade das excitações académicas; e para tal ela não precisava mais do que duma sessão: à primeira vez era logo.»

sexta-feira, 20 de julho de 2012

A Ria de Aveiro


A propósito da efeméride gafanhoa que publiquei no Timoneiro e no meu blogue Galafanha, Mons. João Gaspar teve a gentileza de me enviar um texto muito esclarecedor, que aqui transcrevo. De facto, ao considerar que, na altura, D. João ainda era padre, cometi um erro. Afinal, o passeio de D. João à Barra aconteceu em 20-7-1909 (faz hoje 103 anos) , tendo sido sagrado bispo em 29-6-1909.
Apresento as minhas desculpas a Mons. João Gaspar, que selecionou os escritos do primeiro Bispo da restaurada Diocese de Aveiro, para o livro “Aveiro, suas gentes, terras e costumes”, que veio a lume em 1967. Da mesma forma, peço desculpa aos meus leitores.

Fernando Martins

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Mons. João Gonçalves Gaspar


Caro Diác. Fernando Martins.

Cumprimentos amigos.
Agradeço o seu Blogue. Tomo a liberdade de escrever a propósito estas palavras simples.
O sr. D. João Evangelista de Lima Vidal escreveu o texto "Ex ore infantium" em finais de 1911, quando já estava em Luanda. Foi uma recordação do último passeio que deu desde as Pirâmides até à Barra (20-07-1909), antes de ir para Lisboa, a fim de embarcar para Luanda em 01 de Agosto de 1909. O artigo foi publicado num dos jornais de Aveiro (ou Águeda?).
Em 1914, ele próprio, tendo já regressado a Portugal, publicou o livro "Lições da Natureza e dos Homens", incluindo aí as diversas notas que escrevera em Luanda, desde 1911 até 1913; neste artigo ou nota conservou o mesmo título (pgs. 188-190).
Em 1967, quando fiz a seleção de textos do sr. D. João Evangelista, tive a liberdade de dar ao mencionado texto o título de "A Ria de Aveiro" (pgs. 125-126).
Como sabe, D. João Evangelista foi nomeado bispo de 'Angola e Congo' (era só uma Diocese) em 29-04-1909 e recebeu a sagração episcopal em 29-06-1909, na sé de Coimbra. Por isso, quando foi à Barra para se despedir destas nossas terras e da ria, já era bispo... e não apenas sacerdote (e cónego) de Coimbra. Por isso, parece-me que há uma inexatidão no título da "Efeméride Gafanhoa", no último "Timoneiro"; naquela data, já era D. João Evangelista...

Desculpe todo este arrazoado. Deve servir para pouco ou para nada.
Aveiro, 20-07-2012 (o passeio de D. João faz hoje 103 anos). Também recordamos neste dia o saudoso Arcebispo-Bispo de Aveiro.

P. João Gaspar

terça-feira, 17 de julho de 2012

"Ai Portugal, que te vais à vela"

As nossas paisagens vistas pelo padre João Evangelista em 1909





«Deixem-me ir hoje, no meu rico vagar, pela estrada que de Aveiro vai ter à Barra.
A começar nas Pirâmides.
Mas antes de lançar pés à suavíssima marcha, esperemos que avance e que passe uma vela que se mostrou ao longe, vinda certamente com pescaria miúda das costas de São Jacinto em demanda do nosso canal.
Já se distinguem perfeitamente os clássicos e variados remendos do pano: um xadrez, meus amigos, um verdadeiro xadrez!
À escota vem um marnoto de idade, de ceroilas curtas, nem chegam aos joelhos: de camisola azul ferrete, grossa como uma tábua, grossa como um cortiço, aberta à boca do peito; de carapuço de lã na cabeça, com a ponta derrubada para a nuca e terminada por uma bolinha.
— Linda manobra, sim senhora, linda manobra.
— Pois c’anté! — responde o velho, descobrindo a venerável cabeça.
A estrada não é muito larga nem dá muitas voltas para chegar ao seu aprazível e benfazejo destino: mas de ambos os lados tem uma renda finíssima de tamargueiras que mergulham os troncos na água e que se vêem surgir na maré-baixa, de entre os calhaus arroxados e humedecidos da margem.

terça-feira, 15 de julho de 2008

A Nau Portugal

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D. João Evangelista

A NAU

Já estou velhinho, já sinto o frio da cova nos pés. É natural que nos meus longos anos, expostos de mais a mais às ondas, nem sempre calmas, do destino que Deus me marcou ao nascer, eu tenha sentido pancadas terríveis no peito, capazes de o quebrarem, de o fazerem em pó, se não se tornasse em bronze indestrutível a mísera carne que o Senhor predestinou para o mais agitado dos apostolados, o apostolado das almas. Às vezes até parece que a vaga passa por uma tal forma por cima da cabeça que nos prega para sempre no fundo de tenebrosos abismos, e não mais voltamos à tona d’água a rivedere le stelle, como dizia o Dante ao fim do Inferno.
Tudo pareceu porém ontem diluir-se, e como que perder-se nas recordações longínquas a ponta mais aguda e mortífera dos seus espinhos, a gota mais amarga do meu veneno, ao golpe imprevisto, mil vezes trágico, que me esmigalhou a alma na Gafanha da Nazaré.
Parecia uma noiva, a nau Portugal, pronta a entrar na Igreja, com a coroa da glória na fronte e o manto de virgem a arrastar na história. Eu passei-lhe a mão pela quilha, ávida de cortar para a frente as águas, de fazer espuma ao passar, como quem faz uma festa na face de um filho, como quem beijaria, a transbordar de ternura, os olhos da sua mãe. E, senti, nessa carícia, bater lá dentro o coração da Pátria; eu ouvi, assim encostado o ouvido à proa altiva do barco, a voz de oito séculos que se não calava. Eu dei-lhe a bênção do meu ritual, mas dei-lhe ainda mais talvez – quem sabe se não me fez irreverente o delírio! – a bênção do meu amor. Estava-me a parecer que, se eu fosse embrulhado para a terra numa dobra daquela bandeira, nenhum verme me tocaria, até o peito morto teria vibrações misteriosas no túmulo.
Quando lhe cortaram a amarra, que a prendia ainda às areias, dir-se-ia que a alma de Portugal estremeceu e parou. Ia dobrar-se o Bojador? Descobriu-se a Índia? Iam outra vez ultrapassar-se as tormentas? Quem era aquele que estava lá em cima, erguido ao centro como um gigante, agarrado às cordas com os cabelos ao vento, gritando descobrimentos, conquistas, império? Era o Gama?? Era Alenquer, Albuquerque, maiúsculas ou minúsculas dos navegantes, das estrofes de Luís de Camões? Era um tal encontro de heroísmos e de glórias no crânio, eram clarins e tambores de triunfo a rotarem por tal forma, com tanto estrondo, na alma, que a alucinação me invadia e nem parecia que tocava no chão com os pés.
A esposa de Portugal cortou em triunfo pelo estaleiro e acordou alegremente a ria à entrada. Por um momento ainda tudo delirou e sorriu, o sol, o Vouga, o coração de toda a terra de Portugal. De repente, porém, vimo-la nós todos entristecer, ela tombou a face para o lado, como quem já não tem força para resistir à morte, e caiu fulminada no leito das águas.
Até ninguém queria acreditar ao princípio, abriram-se olhos grandes, mas era verdade; a nossa nau, a nossa filha, a nossa irmã, estava ali morta, com o fundo para o ar, com a face colada ao martírio, caíam-lhe ainda as lágrimas dos mastros, das velas, do leme em luto. Era um cadáver!
Ó mundo cheio de ilusões e de enganos! Que frescura e que pompa, há dois minutos apenas! Que cemitério, agora!
Já lá vão quase vinte horas depois do desastre, e eu ainda não sei como poderá passar no meu peito, sem o fazer estalar, o choque de duas paixões tão intensas, de duas loucuras, ia eu a dizer: a alegria da nau em triunfo com as flâmulas a tremularem no azul, e o seu naufrágio, com a água agora a cuspir-lhe na fronte.
Mónica, ó mestre, não foste tu só, durante a noite, a arrepelar os cabelos, a molhar das tuas lágrimas uma cama de febre. Outros houve, quem sabe quantos, que não fecharam os olhos também.
Mas sossega. Esta morte há-de ter a sua ressurreição. Lázaro poderá estar quatro dias na sepultura, mas virá o taumaturgo que lhe há-de dizer:
– Levanta-te!

D. João Evangelista de Lima Vidal,
Arcebispo-Bispo de Aveiro


Nota: Texto publicado, sem assinatura, no Correio do Vouga, em 13 de Julho de 1940. O bota-abaixo, em que a nau, ao entrar na ria, se inclinou até os mastros pousarem na água da laguna, aconteceu em 8 de Julho de 1940. D. João Evangelista conta, de forma poética, como ele tão bem sabia fazer, o que viu e sentiu. Actualizei alguns vocábulos.

FM

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TRADUÇÃO

GAFANHA -Séculos X-XII

O mar já andou por aqui... E se ele resolve regressar? Não será para o meu tempo, mas pode acontecer um dia!