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quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Linguajar dos gafanhões

Para sorrir...

Em tempos que já lá vão, apresentaram-se duas comadres para baptizar uma criança, juntamente com a mãe, da mesma. O abade inquiriu: Então como se vai chamar a criança?
A 1.ª comadre respondeu: — Botelhana, Sr Prior! Botelhana!
A 2.ª comadre retorquiu: — Prantelhana, Sr Prior, Prantelhana!
Por fim, a mãe da criança também se pronunciou e anuiu: — Eu Cudcana.
Depois de ter ouvido as três versões, o padre ficou confuso e levou algum tempo até descobrir. Afinal, isto traduzia a maneira de falar das gentes da Gafanha, nos princípios do século passado e todas queriam dizer o mesmo.
Já naquela altura, como sempre, se aplicava à linguagem oral, a lei do menor esforço, pelo que, o povo despende a menor energia possível, para pronunciar as palavras (acto de fonação). Assim, o que as comadres queriam, realmente, dizer era o seguinte:
1.ª Comadre: — Bote-lhe Ana, Sr Prior! (botar – pôr, colocar)
2.ª Comadre — Prante-lhe Ana, Sr prior! (prantar – pôr, colocar)
Mãe — Eu cuido que Ana, Sr Prior! (cuidar – pensar, achar)
M.ª Donzília Almeida

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

O linguajar dos gafanhões


A maneira de falar...

«A maneira de falar, um tanto ou quanto cantada, com alguma malícia pelo meio, entre risadas contagiantes, é que me encantava.
Levemos a nossa memória até lá atrás e ouçamos a Ti Maria e o Ti Atóino. Vinha ela desaustinada porque a canalha lhe estragara as batatas ali ao pé da escola da Tia Zefa. Estava arrenegada.
O ti Atóino vinha da borda, onde andara ao moliço para o aido. Antes da maré, porém, deitara-se a descansar, com o corpo moído, na proa da bateira que ia à rola. Sem saber como, e com uma nassa, apanhou uns peixitos para a ceia (o jantar de hoje). Já não era mau. Naquele dia não comeriam caldo de feijão com toucinho, com um bocado de boroa. Sempre seria melhor.
— Atão queras ver, Atóino, o que a canalha da scola fez? Andou por riba das batatas a achar a bola e ‘stragaram-me tudo. Tamém andaram à carreira atrás uns dos oitros a amandar pedras e ao acaça. Se andassem com relego, ainda vá que não vá. Mas nã. Andavam a toda a brida, como que a atiçar comigo. E se calhar a professora estava abuzacada na sala. Isto está mal, no achas?
— Pois é verdade, Ti Maria. Nã são coisa que se faça. Anda um home a gastar dinheiro em batatas e buano, muitas vezes sem se astrever e estes mariolas, num’stante deixam tudo ‘struído. Era só a gente atirar-lhe com um balde d’ auga, para eles aprenderem. São a mode tolinhos e alonsas. Mariolas!. Vossemecê já falou com a professora? Se ainda nã, vá lá e diga-lhe que ó despois não se arresponsabiliza. São uns desalservados, uns desintoados.
— Tens razão, Atóino. Vou lá num‘stante, antes que seja tarde. Amanhê tamém falo cos pais. Sempre são homes e melheres pra darem uns estrincões aos miúdos, pra eles aprenderem. Opois num se quexem.»

Fernando Martins,
de uma palestra proferida num colóquio
do Grupo Etnográfico da Gafanha da Nazaré

sábado, 28 de novembro de 2009

O linguajar dos gafanhões - 2

"Quase se podia dizer que mal sabiam falar"


O seu linguajar é, portanto, filho de todas essas circunstâncias e resulta, vezes sem conta, da corruptela de vocábulos e expressões ouvidas das pessoas com quem contactavam, sem acesso a literatura ou a meios de comunicação social, embora na região já houvesse jornais e em algumas casas, muito poucas, um ou outro aparelho de rádio. Estamos a recordar as cerimónias de Fátima, sobretudo no dia 13 de Maio, participadas em casa de um abastado lavrador. Todos sentado no chão da sala, lá íamos ouvindo a transmissão com o dono do aparelho a acertar de quando em vez a sintonia. Era o que havia na nossa já distante meninice, que recordamos com imensa saudade pelo bucolismo que a envolvia.


Também não podemos esquecer os gafanhões que, nos finais do século XIX   e princípios do século XX, aprendiam a ler pouco mais que o “b à bá” em casa de mestres populares, alguns dos quais deixaram marcas que o tempo não apagou. À hora da sesta, no Verão, ou ao serão, no Inverno, os mais atrevidos pelas coisas do saber e da cultura lá sacrificavam horas de descanso, no meio ou ao fim de um dia de trabalho duro, para aprenderem as primeiras letras na Cartilha Maternal de João de Deus, ou letras grossas que vinham da arte natural dos senhores mestres, os “sábios” da aldeia que liam e interpretavam, para quem necessitasse ou os quisesse ouvir, os editais afixados às portas das igrejas ou as notificações dos Tribunais, das Finanças ou militares. E era esta leitura periclitante, aprendida em tempos de lazer, embora poucos e nem sempre frequentes, que facilitava, a alguns, a interpretação de livros de devoção popular, os romances célebres, para raros leitores, de certos clássicos, sem esquecer a literatura de cordel, carregada de dramas passionais e de aberrações da natureza, que era vendida de feira em feira ou de romaria em romaria, por cantadores e cantadeiras que sabiam pôr angústia contagiante em tudo o cantavam. E a propósito, como seria interessante fazer um levantamento dessa literatura de cantar e de ler, e que passava de boca em boca, que os nossos avós tanto apreciavam e que deve andar perdida por alguma arca já carcomida pelo caruncho. Também nos alfarrabistas dos grandes centros ela deve ser procurada, ou, ainda, na memória dos nossos velhinhos mais dados a reterem as coisas do passado, como que a quererem ficar perpetuamente agarrados à sua meninice e juventude.

Diz o Padre Resende, na sua célebre e ainda utilíssima Monografia da Gafanha, que “Dos povos da Gafanha diremos que o seu primitivo estado de primários, numa região separada do convívio dos povos mais adiantados, manteve-os por muito tempo numa rudez bastante confrangedora. Quase se podia dizer que mal sabiam falar. Com o tempo e com as vias de comunicação, foram-se polindo, civilizando, começando-se a operar uma grande transformação no seu rude e bárbaro vocabulário, quer na sua forma morfológica, quer na sua parte fonética”. E destaca, como exemplo, algumas palavras e expressões, de que respigamos as que mais lembramos:

Xintro — Jacinto
Balisome — Lobisomem
Manel — Manuel
Sóte — Sótão
Atóino — António
Maçazeira — Macieira
Stâmago — Estômago
P’dibe — Pevide
Azête — Azeite
Capador — Alveitar
Pruga — Purga
Lambisgóia e delambida — Atrevida
Alfanete — Alfinete
Curesma — Quaresma
Arbela — Alvéola
Puchi-na — Puxei-a
Arribar — Subir
Fostas — Fostes



Vais à festa? — Resposta: ai não! (= vou)
Ó Maria, vais à fonte?— Resposta: Poi xim! (=não vou)
Maria vai arrumar-se = Maria vai casar-se
Bou marcar palhitos = vou comprar fósforos
Anda a comprar = Está grávida
Tem os pés inchados = Está embriagado
Tens a língua grande = falas de mais
É preciso falar com relego e dar um pontinho na língua = Falar só o preciso.”

De realçar que os gafanhões não pronunciavam, como ainda não pronunciam, o v. Toda a palavra que tenha v se pronuncia com b. Daí, por exemplo, “Bou a Abeiro ou a Ílhabo comprar uma baca e benho logo para casa que a bida espera por mim”.

E muitas outras palavras e expressões poderíamos continuar a citar, acrescentando-lhes mais algumas que a nossa memória retém com alguma fidelidade. Mas hoje ficamos por aqui, que se faz tarde, como diriam os nossos avós.
Antes, porém, de terminar, é justo recriar um ou outro quadro, para exemplificação:

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

O linguajar dos gafanhões - 1

Retrocedendo no tempo

Retrocedendo no tempo, qualquer coisa como meio século, tanto quanto é necessário para chegar à nossa infância, vislumbramos na memória, qual retrato ainda não embaciado pela pátina do tempo, os gafanhões que ajudaram a erguer esta terra, marcada à nascença por uma mistura de povos na sua maioria semianalfabetos ou mesmo analfabetos, sob o ponto de vista académico, sobretudo, mas obstinados no seu querer. De vontade indómita, trabalharam a terra, primeiro, coisa que sabiam fazer como poucos, ou não estivessem eles habituados a lavrar e a cavar areias movediças e esbranquiçadas, que pouco lhes oferecia de volta, e aventuraram-se na ria e no mar, depois, numa ânsia desmedida de irem mais além. E nessa labuta diária, que deixou marcas indeléveis no temperamento e no carácter dos gafanhões , doaram-nos uma cultura de que hoje nos orgulhamos, nós, os que presentemente somos os legítimos herdeiros desses cabouqueiros das Gafanhas que se deixam beijar pela ria e pelo mar, com ternura, e que depois partem à procura de novos mundos.
Cultura essa que tem sido, desde a primeira hora, no já distante século XVII, e até aos nossos dias, mesclada de outros saberes e dizeres vindos um pouco de todo o país, dando-lhe um sabor que se vai perdendo no tempo. Hoje, com a evolução do ensino e com a influência dos diversos meios de comunicação social, e também graças ao contacto com povos de todo o mundo, que a vida do mar proporciona, os gafanhões já falam mais escorreitamente, de maneira bem diferente, por exemplo, dos tempos da nossa meninice, da década de 40, a que estamos a conduzir a memória já gasta pelos anos, é certo, mas felizmente lúcida para ouvir o linguajar cantado do nosso povo, nas fainas da ria e do mar, e principalmente nas tarefas do campo, por onde brinquei por cima de restolhos com bolas de trapos, às escondidas entre as searas, na estrada aos "calarotes", aos ninhos na mata da Gafanha que pouco depois via nascer a Colónia Agrícola, na borda à pesca da macaca, do caranguejo e de algum perdido robalito.
Linguajar alegre por entre cantigas da época e da tradição popular a desmantar o milho, a fabricar adobos nas dunas junto à mata e depois na construção solidária das casas modestas, na apanha do tremoço, nas novenas que boas almas organizavam para pagar promessas, nas festas e romarias da região, sempre alimentadas pelo espírito de convivência dos gafanhões. De tudo, restam na nossa memória cenas do quotidiano desta gente humilde, mas determinada, que fez as Gafanhas dos nossos dias, o orgulho dos que hoje, vindos de perto e de longe, de quase todo o Portugal, incluindo regiões autónomas e, ainda, dos actuais países de expressão oficial portuguesa, fazem parte integrante dos povos desta península da Gafanha. E todos estes, com a sua maneira de falar e de dizer o essencial do dia-a-dia, de cantar e de rir, de trabalhar e de viver, deram um pouco de si aos povos autóctones, num entrosamento muito feliz.
Mas hoje e aqui, onde nos apetecia continuar a recordar coisas de antanho que vivemos, vamos falar do linguajar destes povos, marcados, e de que maneira, pela vida agreste que as nortadas ainda mais agreste tornavam. Não se trata de uma língua propriamente dita, muito menos de um dialecto, mas única e simplesmente do modo de falar de um povo em que, ainda há meio século, predominava um grande analfabetismo. As meninas não iam obrigatoriamente à escola, e entre os rapazes muitos se esquivavam. E quando não se esquivavam, cedo perdiam o contacto com as letras, porque o trabalho, mesmo em meninos, os absorvia, quer nas tarefas agrícolas e nas marinhas de sal, quer na construção civil, na pesca e na ria. E ainda em indústrias então nascentes, tanto nas Gafanhas, como no concelho de Ílhavo e em Aveiro. A emigração também começou a marcar a nossa gente, e de que maneira, disso ficando rastos de hábitos de vida diferenciados, casas que nada têm a ver com a nossa identidade geográfica e humana, e o espírito de aventura e a determinação que perduram na juventude de hoje!

Fernando Martins

NB: Parte n.º 1 da palestra proferida no II Colóquio organizado pelo Grupo Etnográfico da Gafanha da Nazaré.

domingo, 4 de janeiro de 2009

Linguajar dos gafanhões

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Triga-milha
Salgadeira - Espécie de caixa grande, feita de paredes de cimento; Nesse lugar da casa, bastante aconchegado, salgava-se o porco, em camadas sucessivas de carne e sal e era o sustento das famílias para o ano todo. Claro que não havia a preocupação com a limpeza e a manutenção das casas que hoje há, pois como é de calcular, a zona circundante àquela onde estava implantada a salgadeira, ficava cheia de salitre! As pessoas trabalhavam de sol a sol para angariar o seu sustento, pelo que pouco lhe restava para este tipo de preocupações. Taleigo - Saco estreito e comprido usado para transportar a farinha de milho e de trigo; ir de taleigo à cabeça. Triga-milha - Pão feito com as farinhas de trigo e milho misturadas cozido no forno do lavrador e que era uma delícia. Sugo – Líquido escuro e viscoso, composto por urina, excrementos do porco e água, de cor acastanhada, que escorria por um furo, na parede da pocilga. Escorria para uma pequena fossa no exterior; sendo usado como fertilizante na horta. Ironicamente, a palavra em Italiano do mesmo étimo, sucho, significa molho.
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Maria Donzília Almeida
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TRADUÇÃO

GAFANHA -Séculos X-XII

O mar já andou por aqui... E se ele resolve regressar? Não será para o meu tempo, mas pode acontecer um dia!