domingo, 26 de setembro de 2010

Navio-museu Santo André


Alegria na chegada; a tristeza vinha depois

O navio-museu “Santo André” conduz-me sempre a recordações indeléveis, com saudades e memórias de mau pai, Armando Lourenço Martins, mais conhecido por Armando Grilo, contra-mestre do arrastão que foi campeão das pescas durante muito tempo. Fazia duas viagens por ano e o meu pai só podia estar connosco em curtas férias, ainda por cima envolvido nos trabalhos de preparação para novas viagens.
A partida para mais uma viagem era dia de luto em casa, com a nossa mãe chorosa e eu e o meu irmão calados. Não tínhamos palavras para dizer. E a vida continuava, com as saudades presentes, atenuadas pela ânsia da chegada, só possível no tempo próprio e com boa carga de bacalhau.
Com a partida do banco, rumo a casa, vinha a alegria, e os preparativos da recepção começavam, aumentando exponencialmente, para que o pai encontrasse tudo direitinho. Casa, quintal, as coisas pessoais de cada um arrumadinhas, que os avisos da mãe não paravam, lembrando que o pai não gostaria disto e daquilo.
O dia da chegada era festa. Corrida para a Barra, olhando sofregamente o arrastão a entrar, com os tripulantes a acenar com força, bonés no ar, como que a dizer «estou aqui!». Nova corrida para o porto de pesca longínqua, junto à EPA (Empresa de Pesca de Aveiro), empresa do “Santo André”. E nós ansiosos para entrar no navio.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

E quando a ponte do Forte ruiu?




Ponte de madeira ruiu no Forte da Barra

No dia 5 de Julho de 1951, pelas 10 horas, um grave desastre ocorreu na ponte do Forte. Quando o camião do senhor Manuel Ramos, conhecido por Manuel Russo, ia a passar, com cinco toneladas de areia, a ponte ruiu. O proprietário e condutor conseguiu sair de imediato, mas o filho Francisco Ramos, que o acompanhava, ficou debaixo de água durante quatro minutos e meio, segundo lhe afiançou o então mestre Augusto, encarregado da Junta Autónoma do Porto de Aveiro (JAPA).
Francisco Ramos, que viveu este drama, garantiu-nos que nada fazia prever que isso pudesse acontecer, pois a ponte, oficialmente, podia suportar sete toneladas de peso. Mas caiu com menos. E o pior poderia ter acontecido naquele dia, pois cinco minutos depois passaria por ali o autocarro da “Auto Viação Aveirense”, cheio de passageiros.
No dia seguinte, procedeu-se à retirada do camião do fundo da Ria. Com a experiência de mestre Augusto, o camião pôde sair com a ajuda de duas barcaças e de talhas, posicionadas nos sítios certos. Quem foi ligar o camião às barcaças, mergulhando as vezes necessárias, foi o “Pezinho”*, que tinha a capacidade rara de aguentar uns minutos debaixo de água.
Feitas as ligações, uma lancha da JAPA arrastou tudo para um espraiado na Marinha Velha, perto do moinho do senhor Conde, que foi demolido há várias décadas.
Do areal da borda até à estrada mais próxima o camião foi puxado por juntas de bois. Depois foi reparado e a vida retomada, à espera de uma ponte que oferecesse mais garantias. O que veio a acontecer, não naquele sítio.

Fernando Martins

* O “Pezinho” era um trabalhador-marinheiro muito dedicado ao Mestre Mónica. Segundo a tradição, terá salvo o Mestre quando caiu à água atingido por um ferro, que lhe deixou marca no sobrolho para o resto da vida. Era especialista em mergulhar, aguentando uns minutos debaixo de água, sem qualquer máscara.

Fonte: "Gafanha da Nazaré: 100 anos de vida"

sábado, 18 de setembro de 2010

Seminário de Santa Joana: Um cortejo em que participei





Das minhas memórias, recordo que participei num cortejo de oferendas a favor do Seminário, com o envolvimento de dezenas de paróquias da diocese. Foi isto em 30 de Junho de 1946.
«Após o meio-dia toda a cidade [Aveiro] se animou com um grandioso cortejo de oferendas a favor da construção do Seminário de Santa Joana. As dezenas de paróquias da Diocese vieram com suas representações características, com seus ranchos folclóricos e com os seus donativos generosos. As ruas encheram-se dos mais variados cantos alegres e populares, dos sonoros acordes de diversas filarmónicas e da beleza dos carros alegóricos e garridos. Além do valor material que significou esta magnífica jornada de caridade, o cortejo constituiu mais um elemento a unir as terras do Bispado à volta do mesmo centro espiritual, fixado em Aveiro.»
Integrei o cortejo, a que se associaram empresas e católicos da nossa terra, com carros enfeitados e carregados de presentes, os mais diversos, desde géneros alimentícios, incluindo bacalhau, até materiais de construção e madeiras dos estaleiros.
As pessoas partiam em grupo dos seus lugares rumo à concentração, junto à ponte de madeira que nos ligava a Aveiro. E assim seguimos a pé até ao destino.
A minha memória diz-me ainda que as nossas ofertas mais miúdas foram depositadas nas barracas da Feira de Março, ainda não desmontadas.
O que levava numa saca, que depois passou para um carro de vacas, já se me varreu da memória. Milho? Feijão? Não sei. Só sei que voltei a pegar nela, no Rossio, para a entregar numa barraca. Aí, o seu conteúdo passou para uma caixa e voltei satisfeito com a saca na mão para casa.

Fernando Martins

In "Gafanha da Nazaré: 100 anos de vida"

Fonte: Memórias pessoais e "Lima Vidal e o seu tempo"

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Fundadores da freguesia e paróquia – 5


Nossa Senhora da Nazaré

Permitam-me a ousadia de incluir neste capítulo a nossa Padroeira, Nossa Senhora da Nazaré. Foi pessoa como nós, mãe solícita do Filho de Deus e nossa mãe também, catalisadora da aproximação à Boa Nova de Jesus Cristo, sinal visível da ternura e do amor, auxiliadora dos aflitos, protectora dos navegantes, congregadora dos desavindos, inspiradora da verdade, da justiça e da paz.
Ao certo, não se sabe como nasceu esta devoção pela Senhora da Nazaré. Terá alguma ligação à Palestina e à então Vila da Nazaré, onde D. Fuas Roupinho por ela foi salvo de morte iminente?
O Padre Domingos, co-autor do livro “Invocações Marianas na Diocese de Aveiro”, recorda a lenda que garante ter vindo a imagem da nossa padroeira da Palestina. «Após vários imprevistos foi posta [a imagem] numa pequena Ermida, conhecida por capela da memória, na antiga povoação de Nazaré», sublinha o antigo Prior da Gafanha da Nazaré. E dali, algum navegante a terá trazido para a Gafanha, quando não foi adquirida a algum comerciante de imagens e objectos antigos.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Pessoal das secas – 1938




Nota: Registos fotográficos do capitão Fernandes, gentilmente cedidas pelo também capitão e seu filho Óscar Fernandes, por intermédio do Júlio Cirino. Este é um sinal evidente das riquezas culturais guardadas em arcas cheias de recordações que fazem parte da nossa história comum. Tenho dito e escrito vezes sem conta que este património merece ser divulgado e comentado, ou não faça ele parte da identidade forjada durante décadas pelos nossos antepassados. Aqui ofereço, mais uma vez, este meu espaço a todos os conterrâneos...
Pessoal das secas que seria interesssante identificar.

FM

Gafanha da Nazaré vista por D. João Evangelista


quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Fundadores da freguesia e paróquia – 4


D. Manuel Correia de Bastos Pina

D. Manuel Correia de Bastos Pina nasceu a 19 de Novembro de 1830, na freguesia de Carregosa, no concelho de Oliveira de Azeméis.
Filho de António Correia de Bastos Pina e de Maria Joaquina da Silva, abastados proprietários rurais, foi baptizado a 24 do mesmo mês. O pai chegou a desempenhar o cargo de presidente da Câmara de Oliveira de Azeméis.
A sua família contava vários padres, entre os quais dois irmãos. Depois das primeiras letras, veio para Ílhavo, onde recebeu lições do Dr. José António Pereira Bilhano (viria a ser Arcebispo de Évora) que o preparou nas matérias de retórica e língua francesa.
Educado nos princípios do constitucionalismo, recebeu a ordenação presbiteral em 25 de Novembro, com 24 anos de idade. Como Bispo de Coimbra, D. Manuel Correia de Bastos Pina foi «uma das figuras mais marcantes da Igreja em Portugal na segunda metade do século XIX e inícios do século XX», como se lê em “O Bispo de Coimbra D. Manuel Correia de Bastos Pina”, de A. Jesus Ramos. Faleceu em 1913.
O Bispo-Conde de Coimbra tinha uma natural simpatia por Aveiro. Estudou em Ílhavo e mais tarde acompanhou o percurso de D. João Evangelista, com manifestações de estima e proximidade. Dele disse o D. João que «era uma figura poderosa de bispo, cheio de prestígio e vida» (14)Noutra passagem da mesma obra, o autor informa: «Muitas vezes esteve em Aveiro o bispo-conde e até se dirigiu aos arciprestes, párocos e clérigos dos concelhos de Aveiro, Ílhavo, Vagos e Mira, escrevendo-lhes uma carta pastoral sobre a Ria que tem a data de 30 de Janeiro de 1891;(…) Também pôs à disposição do arcipreste de Aveiro a quantia de duzentos mil réis para ajudar os pescadores mais necessitados a fazerem a substituição das redes de pesca, em obediência ao regulamento oficial.
Não consta que tenha visitado a Gafanha propriamente dita, mas esteve em Ílhavo…

(14) In “Lima Vidal no seu tempo”, de João Gonçalves Gaspar, I Vol, pág. 104

Fernando Martins

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Fundadores da freguesia e paróquia – 3



D. Manuel II


O último Rei de Portugal, D. Manuel II, nunca esperou vir a sentar-se no trono do Reino. Tão-pouco havia sido preparado para tais funções. Era segundo filho e o trono, por herança dinástica, seria para seu irmão Luís Filipe.
Quis o destino, como diz o povo, que o regicídio de 1 de Fevereiro de 1908, de triste memória para quem acredita que os problemas dos povos como dos países não têm que ser resolvidos pela força das armas, de forma traiçoeira, o levasse a sentar-se na cadeira que tinha sido ocupada por seu pai, o Rei D. Carlos.
D. Manuel sobe ao trono com apenas 18 anos. Sem a preparação adequada, enfrentou imensos problemas, que ia ultrapassando com a ajuda de políticos que considerou capazes, mas que não estiveram à altura de impedir os avanços da República. E face aos conselhos que os mais próximos lhe dirigiam para que interviesse junto dos partidos, monárquicos e republicanos, de várias correntes, escreveu em Maio de 1909: «Querer que o rei intervenha nas lutas entre os políticos parece-me um erro. Muito interferiu meu pai, e bem triste fim teve.»14
Na visita que fez a Aveiro, em 1908, foi recebido com pompa e circunstância, colhendo aplausos das forças vivas e do povo em geral. Políticos republicanos, no entanto, não estiveram com meias-medidas e puseram de lado a arte de bem receber. Intitularam, no jornal “O Democrata”, a visita do Rei como “A real bambochata”.

domingo, 5 de setembro de 2010

Fundadores da freguesia e paróquia – 2


Prior Sardo


O Prior Sardo é figura incontornável na história dos cem anos da freguesia da Gafanha da Nazaré. Gozou do privilégio de ser filho da nossa gente, irmão na fé e na determinação de quantos contribuíram para o desenvolvimento espiritual e social do nosso povo.
Educador da fé e das verdades proclamadas pela Igreja Católica, foi também político, ao jeito do tempo, lutando pela promoção da comunidade em várias frentes. E se, no dia-a-dia da sua missão pastoral, não esquecia as obrigações de pastor atento e responsável, como autarca procurou trazer a água ao seu moinho.
O Padre Sardo, o sacerdote e o político, mas também o empresário, cedo terá compreendido que a Gafanha da Nazaré, como freguesia e paróquia, só teria a ganhar, ganhando também os gafanhões.
Senhora do seu destino, independente da paróquia e freguesia de São Salvador, pensaria pela sua própria cabeça e poderia projectar-se no futuro escolhendo os caminhos mais acessíveis e delineando os rostos da sua identidade.

sábado, 4 de setembro de 2010

Fundadores da freguesia e paróquia – 1


O Povo

Na evocação de efemérides ocupam, por norma, as cadeiras de destaque os chefes naturais e oficiais, relegando-se para segundo plano, quando não são atiradas para o baú de inutilidades, as pessoas simples que deram corpo e alma a projectos que contribuíram para a formação do povo e para a construção das comunidades.
Na Gafanha da Nazaré também aconteceu assim, não obstante se reconhecer hoje que os gafanhões foram, realmente, os primeiros obreiros esforçados, na labuta diária que imprimiram à transformação das dunas em terra de pão. Sem ajudas conhecidas, sem orientações capazes, sem infra-estruturas onde pudesses escudar-se, sem ninguém por perto a quem se atrevessem a dirigir olhares de súplica.
E porque é difícil escolher nesse baú um ou outro nome, sem correr o risco de cometer injustiças graves, penso que a palavra Gafanhão encarna a melhor definição para o homem e a mulher que, de braço dado, deram vida e alma à criação da freguesia e paróquia, cujo centenário celebramos.
Honra, portanto, a esses bravos que nos legaram herança tão expressiva, como é a terra que habitamos.

FM

In "Gafanha da Nazaré – 100 anos de vida"

Aos homens do mar

  Aos homens da nossa terra, que do mar fizeram a sua vida. Junta de Freguesia da Gafanha da Nazaré 1996 «Ó mar salgado, quanto do teu sal s...