sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

PASSAGENS DE ANO DA MINHA INFÂNCIA




Confesso que não recordo nada de especial das passagens de ano da minha infância e juventude. A vida de há 60 anos nada tinha a ver com o consumismo dos tempos atuais. Havia pouco dinheiro no bolso do comum dos mortais e mesmo os mais abastados eram poupados. Talvez por serem, normalmente, de origem humilde. De modo que as festas que implicassem gastos um pouco mais elevados não gozavam da sua preferência.
Recordo que a chamada ceia do Natal, essa sim, era sentida pelas famílias como algo de especial, não faltando, por isso, o bacalhau com todos e os tradicionais bilharacos e rabanadas, de mistura com nozes, figos passados e um ou outro doce fora do usual. A ceia tinha sempre como condimento obrigatório e esperado a conversa sobre as prendas do Menino Jesus, nanja do Pai Natal, figura que não encaixava nas famílias católicas, que eram, nas Gafanhas, a maioria, quando surgiu, muito depois, por interesses comerciais, como é sabido.
Lembro que a revelação do segredo, de que o Menino não podia distribuir tanta prenda, era feita paulatinamente, sem dramas. Estou a ouvir a minha saudosa mãe a explicar, sorridente, enquanto mexia a massa de abóbora com ovos, farinha, açúcar e canela (não sei se está tudo), que o Menino Jesus, afinal, não podia distribuir os presentes, mas, mais do que isso, dava saúde ao nosso pai, que andava sobre as águas do mar, para ele ganhar dinheiro para prendas e para tudo o que fosse preciso.
Ora, na passagem do ano, uma semana depois, repetia-se a ceia do Natal. E era também nessa altura que surgiam mais uns presentinhos, para alegrar alguns descontente com o que recebeu no dia de ceia
Já rapaz, nunca saí de casa para festejar o Ano Novo. E quando adulto ousei experimentar foi noite estragada. Nunca gostei de barafundas. Só com a família, na traquilidade da minha casa, é que estou bem. E cada um que seja feliz à sua maneira. São o meus votos muito sinceros.
Bom ano para todos.
Fernando Martins

sábado, 24 de dezembro de 2011

Recordações da guerra colonial


MÃE, SIMPLESMENTE MÃE
Ângelo Ribau Teixeira

Ela era a mãe de um simples soldado. Vivia na sua terra, só, pois o marido tinha falecido havia uns tempos. Era pescador numa traineira da pesca da sardinha. Um dia, ao entrar na barra, a traineira bateu contra o molhe e afundou-se, tendo falecido grande parte da tripulação. O intenso nevoeiro que se fazia sentir,  a falta de radar que, naquela altura, ainda não estava instalado na embarcação, bem como o facto de a pesca ter sido muito boa, com sardinha da proa à ré, "pesada",  como se dizia da gíria,  terão contribuído para o desastre.
Recebi a notícia por um jornal que vinha a embrulhar uma encomenda de um companheiro de guerras.
Conhecia a maior parte dos tripulantes, alguns meus colegas de escola, outros desconhecidos e pessoas mais velhas, onde reconheci o pai do tal soldado, que se encontrava no Leste de Angola. Perguntei à minha mulher como tinha reagido aquela mãe, viúva e com o filho longe… sem mais ninguém…
— Mal, muito mal; Anda aí pela rua gritando, respondeu.
E acrescentou:
— O mar levou-me o marido; os “outros”, o meu filho. Malvados!
Era mais uma mãe. Simplesmente uma mãe só no mundo. Como tantas naquele tempo.

domingo, 18 de dezembro de 2011

ESTÓRIA DE BONS MALANDROS

O QUE TEM DE SER TEM MUITA FORÇA! ​
Pois é, já que estamos em tempo de confissões, passo a responder ao meu querido amigo Prof. Manuel Olívio: a história repete-se! Na passagem de Ano de 1967, salvo o erro, alguém disse: “E se fôssemos ao mercado deitar abaixo as letras que dizem Ílhavo?”
“Não foi precisa discussão prévia: todos de acordo; sim que já era tempo de esses tipos aprenderem que o mercado é da GAFANHA! Pois claro, etc. e tal”. Previmos que o barulho das milhentas badaladas que o relógio da igreja dava à meia noite, acrescido do ribombar dos foguetes, mai-las sirenes dos barcos ecoando festivamente, abafariam o barulho que tínhamos que fazer para deitar as letras abaixo. Mas enganámo-nos. O problema não surgiu do barulho que fizemos! Mas é melhor contar o que então se passou.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Salgado Aveirense em decadência




João Magueta, um marnoto 
com saudades da safra do sal 


João Gandarinho Magueta,77 anos, sete filhos e dez netos, sente-se honrado por ter sido marnoto durante 30 safras. Ostenta, por isso, na parte exterior da sua casa, um painel cerâmico alusivo à sua vida nas salinas. E fala, a talho de foice, da vida dura que levou. Chegou a ser convidado por alunos da Universidade de Aveiro para explicar, em plena marinha, as várias fases da produção do sal. Também guarda, como boas recordações desses tempos, fotografias em plena faina. E continua com saudades dos trabalhos nas salinas. Tem muita pena de ver a situação do Salgado Aveirense em completa decadência. 

João Magueta mostra que a arte de produzir sal lhe está no sangue. Começou cedo, aos 11 anos, como moço do próprio pai, marnoto, natural da Gafanha da Encarnação, mas radicado na Gafanha da Nazaré depois do casamento. O João não andou na escola, mas aprendeu a ler e a fazer contas com o pai, que, seguindo hábitos familiares, ensinou os filhos. Exceto o mais novo, que já apanhou a lei da obrigatoriedade escolar. O exame da 4.ª classe veio mais tarde, por exigência de uma fábrica de cerâmica, em Aveiro, onde trabalhava depois das labutas na marinha. Foi preparado, já adulto, para esse exame pelo professor Ramos. 
Para além das tarefas de moço e marnoto, o João trabalhava no inverno onde era possível, como nas secas e até, mais tarde, como cobrador da Auto Viação Aveirense. 
Curiosamente, o seu avô, Manuel Magueta, mestre-escola e lavrador, ensinava, aos sábados e domingos e à semana quando chovia, na Gafanha da Encarnação quem gostasse de aprender a ler, a escrever e a fazer contas. Como era tradição, os alunos contribuíam, por ano, com alguns produtos agrícolas, pois que o dinheiro era escasso. 
João Magueta começou como moço, tendo ganho, no primeiro ano, de abril a setembro, 300 escudos, e recorda, com natural nostalgia, o contato com a água salgada sobre a qual incidia o sol forte, provocando, lentamente, a cristalização do sal. 

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

RUA MESTRE MÓNICA




UM GAFANHÃO QUE PROJETOU A NOSSA TERRA
Não há dúvida de que o Mestre Manuel Maria Bolais Mónica projetou a nossa terra muito para além das fronteiras portuguesas. Construtor Naval desde muito novo, cuja arte aprendeu de seu pai José Maria Bolais Mónica, mal nasceu, em 11 de Julho de 1889, em Ílhavo, radicou-se na Gafanha da Nazaré. Precisamente no ano em que veio ao mundo, seu pai transferiu o estaleiro que possuída na sede do concelho para a Cale da Vila.
Disse que projetou a nossa terra para além das fronteiras portuguesas porque os navios que construiu, de linhas únicas, harmoniosas e belas, navegaram por mares muito ou pouco conhecidos, exibindo, com galhardia, a sensibilidade e a arte do Mestre Mónica.
O seu estaleiro foi, sem dúvida, uma escola da arte de manejar o machado e a enxó, oferendo ao país mestres qualificados, oriundos de vários cantos de Portugal, de alguma forma ligados às madeiras.

Aos homens do mar

  Aos homens da nossa terra, que do mar fizeram a sua vida. Junta de Freguesia da Gafanha da Nazaré 1996 «Ó mar salgado, quanto do teu sal s...