Avançar para o conteúdo principal

O Mantarrota

Por estar no Algarve, lembrei-me hoje de um aluno, cujo nome se me varreu da memória. Foi há 47 anos, na Escola da Chave. Na altura sentia-se um grande incremento na Pesca do Bacalhau. A Gafanha da Nazaré muito beneficiou dele, com empresas a darem trabalho a imensa gente, que vinha de todos os cantos do litoral português. Notávamos isso no linguajar dos que chegavam para ficar na região. 
Uma criança entra-me na sala por transferência. Quando indaguei da sua naturalidade, respondeu-me, com ar cândido, que era do Algarve, de Manta Rota. Logo a malta riu a bom rir, como era natural. Confesso que nunca tinha ouvido falar de tal terra e também sorri. E começou a conversa, naturalmente para levar o aluno à integração no meio escolar. E as perguntas, minhas e dos então seus colegas, surgiram, numa tentativa de se saber a origem de nome tão diferente dos que conhecíamos à nossa volta. 
Nessa época, viajava-se pouco. Os horizontes da grande maioria das crianças não ultrapassavam a ria e o mar. Tanto assim, que cheguei a encontrar, noutra escola onde leccionei, na Marinha Velha, da mesma freguesia, alunos que nunca tinham visitado a Barra e a Costa Nova, povoações que ficam, para quem não conhece bem a região, do outro lado da laguna. Na época bastava atravessar a ponte. E ainda encontrei outros que nunca tinham ido a Ílhavo e a Aveiro. 
Voltando atrás, lembro-me perfeitamente do ar de espanto provocado pela Manta Rota. O novo aluno também não fazia ideia da origem do nome da sua terra. Aliás, não seria fácil para uma criança entrar nos meandros da toponímia. Como nos nossos dias, está bem de ver. Depois do ar de espanto, gerou-se a simpatia. E no recreio houve um esforço para ajudar o novo colega a entrar nos jogos, em espaço apertado para a brincadeira. 
Como sempre, as imaginações juvenis são férteis em descobrir soluções para as suas exigências físicas. Dias passados e a malta já tinha descoberto a melhor maneira de identificar o algarvio, cujo pai era tripulante de um bacalhoeiro. Quando presenciava um jogo, em hora de recreio, notei que todos tratavam o colega por Mantarrota. Mantarrota para aqui, Mantarrota para acolá. E ele alinhava. Cheguei a lembrar, várias vezes, que ele tinha nome. Mas nada. Que me recorde, tratavam-no desse modo, sem qualquer acinte. Afinal, com amizade, até com carinho. 
A vida dá sempre muitas voltas. Mudei de escola e perdi-lhe o rasto. Sei que ficou pela Gafanha da Nazaré, porque há anos o encontrei. Não o vejo há muito tempo. Apeteceu-me recordá-lo por estar no Algarve. Deve andar por aí, pela nossa terra, com a família. Calculo que terá voltado às suas origens. À Manta Rota, perto de Tavira.

Fernando Martins

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Gafanha em "Recordações de Aveiro"

Foto da Família Ribau, cedida pelo Ângelo Ribau António Gomes da Rocha Madail escreveu na revista “Aveiro e o seu Distrito”, n.º 2 de 1966, um artigo com o título de “Impressões de Aveiro recolhidas em 1871».   Cita, em determinada altura, “Recordações de Aveiro”, de Guerra Leal, que aqui transcrevo: (…)  «No seguimento d'esta estrada ha uma ponte de um só arco, por baixo da qual atravessa o canal que vai a Ilhavo, Vista Alegre, Vagos, etc., e ha tambem a ponte denominada das Cambeias, proxima à Gafanha.  É curiosa e de data pouco remota a historia d'esta povoação original, que occupa uma pequena peninsula. Era tudo areal quando das partes de Mira para alli vieram os fundadores d' aquelIa colonia agricola, que á força de trabalho e perseverança conseguiu, com o lodo e moliço da ria, transformar uma grande parte do areal em terreno productivo. Foi crescendo a população, que já hoje conta uns 200 fogos, e o que fôra esteril areal pouco a pouco se transformou em fertil e

Colónia Agrícola da Gafanha da Nazaré

Alguns subsídios para a sua história Em 1888,  inicia-se a sementeira do penisco no pinhal velho, terminando, na área da atual Gafanha da Nazaré, em 1910. Somente em 1939 ultrapassou o sítio da capela de Nossa Senhora da Boa Hora, ficando a Mata da Gafanha posteriormente ligada à Mata de Mira. (MG) A Colónia Agrícola da Gafanha da Nazaré foi inaugurada numa segunda-feira, 8 de dezembro de 1958, Dia da Imaculada Conceição, Padroeira de Portugal. Contudo, o processo desenvolvido até àquela data foi demorado e complexo. Aliás, a sua existência legal data de 16 de novembro de 1936, decreto-lei 27 207. Os estudos do terreno foram iniciados pela Junta de Colonização Interna em 1937, onde se salientaram as «condições especiais de localização, vias de comunicação e características agrológicas», como se lê em “O Ilhavense”, que relata o dia festivo da inauguração. O projeto foi elaborado em 1942 e, após derrube da mata em 1947, começaram as obras no ano seguinte. Terraplanagens,

1.º Batizado

No livro dos assentos dos batizados realizados na Gafanha da Nazaré, obviamente depois da criação da paróquia, consta, como n.º 1, o nome de Maria, sem qualquer outra anotação no corpo da primeira página. Porém, na margem esquerda, debaixo do nome referido, tem a informação de que faleceu a 28-11-1910. Nada mais se sabe. O que se sabe e foi dado por adquirido é que o primeiro batizado, celebrado pelo nosso primeiro prior, Pe. João Ferreira Sardo, no dia 11 de setembro de 1910, foi Alexandrina Cordeiro. Admitimos que o nosso primeiro prior tomou posse como pároco no dia 10 de setembro de 1910, data que o Pe. João Vieira Rezende terá considerado como o da institucionalização da paróquia, criada por decreto do Bispo de Coimbra em 31 de agosto do referido ano. Diz assim o assento: «Na Capella da Cale da Villa, deste logar da Gafanha e freguesia de Nossa Senhora de Nazareth, do mesmo logar servindo provisoriamente de Egreja parochial da freguesia de Nossa Senhora de Nazareth, concelho d’Ilh