Barcos da Ria
Marcos Cirino desfia recordações
com muito amor à Gafanha da Nazaré
com muito amor à Gafanha da Nazaré
Marcos Cirino da Rocha, 87 anos, gafanhão de gema, vibra com as coisas da Gafanha da Nazaré. Conhece muito da sua história. Evoca com entusiasmo os assuntos em que se envolveu. Conta pormenores que escapam a muito boa gente. E insiste na ideia de que há pessoas que nos querem prejudicar, decerto marcado por tempos e comportamentos idos.
Fomos ouvi-lo um dia destes. Entrámos em sua casa e vimos miniaturas de barcos de várias épocas. Todos construídos por si. “À escala”, sublinha. Mas também vimos inúmeras pastas de documentos e processos relacionados com antigas, e talvez recentes, reivindicações e polémicas.
Marcos Cirino começou a trabalhar com 13 anos nas oficinas da Aviação Naval Almirante Gago Coutinho, o herói que fez, com Sacadura Cabral, a primeira ligação aérea, de Lisboa ao Rio de Janeiro, em 1922. “Conheci-o pessoalmente, em São Jacinto, quando ele visitou a Base, a convite do Comandante Cardoso de Oliveira”, garantiu-nos.
Trabalhou na reparação de hidroaviões, “na construção de asas e até de aviões de treino”. Recordou o Sargento Moreira, artífice na construção de hélices, um homem inteligente, artista, e grande profissional. “Mas muito exigente”, sublinhou.
Muitos homens da Gafanha da Nazaré ali trabalhavam, como operários civis, em cooperação com militares. E em 1952, bastantes profissionais foram distribuídos pelas Bases Portuguesas, entretanto enquadradas pela Força Aérea. “Eu fiquei em São Jacinto, por ser um dos mais antigos”, frisou.
Contudo, em 1967, ingressou na Base da NATO, em Ovar (Maceda). Aposentou-se em 1983, com 48 anos de serviço. Mas como não gosta de se acomodar, continua debruçado sobre a história da nossa terra, pugnando por aquilo que lhe parece justo.
Quando lhe falei das ruas da Gafanha da Nazaré, de imediato recuou ao passado. E disse: “Há muitos anos, havia um carteiro, o senhor Reis, que, vindo de Aveiro, deixava a correspondência em estabelecimentos estratégicos, nomeadamente, de Alberto Martins, Manuel Cravo, Caçoilo da Rocha e Joaninha Bola. Seguia para o Forte, Farol e Costa Nova. No Forte, uma senhora, Rita de seu nome, esperava o correio para o levar para São Jacinto.”
As pessoas, como é natural, tinham de procurar as cartas nesses locais. E ali entregavam a correspondência para seguir o seu destino, explicou-nos.
Quando a correspondência atingiu um número significativo, houve necessidade de baptizar as ruas, para facilitar a distribuição. Mestre Rocha, como presidente da Junta, avançou com uma proposta de certo modo inédita, para identificar as ruas. As letras do alfabeto passaram a ser nomes de ruas. Mas tal solução, tão incaracterística, não resultou, salientou Marcos Cirino. “Não havia letras para tantas ruas”, esclareceu.
Santa Maria Manuela
Posta a questão à Câmara Municipal de Ílhavo, avançou a ideia de atribuir nomes, de pessoas, às nossas ruas, sendo presidente da Junta o comerciante Albino Miranda. Uma comissão constituída pelo Capitão Ferreira da Silva, Dr. Maximiano Ribau, Baltasar Vilarinho, João Ribau, Marcos Cirino e outros, numa noite, escolheu 60 nomes para toda a freguesia, da qual faziam parte, como ainda fazem, o Forte e Barra.
Durante o desfiar de recordações, tanto quanto o permitiu a sua memória, passámos ao Mercado da Gafanha da Nazaré. Os agricultores começaram a vender os seus produtos na rua em frente à igreja matriz. A seguir vieram outros vendedores. O trânsito começou a ficar complicado. A Junta deslocou, então, o mercado para a parte lateral da igreja, até ao cemitério, disse-nos Marcos Cirino.
Mais tarde, com o número cada vez maior de vendedores e compradores, sentiu-se a urgência de construir o Mercado, o mesmo que foi há tempos demolido para dar o lugar, noutro sítio, a um mais moderno. Marcos Cirino, apoiando a Junta de Freguesia, andou com outros a fazer um peditório. O povo colaborou, o Mercado foi construído e por fim a câmara chamou a si a exploração, o que não agradou a muitos gafanhões.
Miniaturas de barcos
são a grande paixão de Marcos Cirino
Nau São Vicente
Quando entrámos na residência de Marcos Cirino fomos surpreendidos pela existência de miniaturas um pouco por todo o lado. A decoração tem a marca dessa sua paixão. Com algumas delas, participou em diversas exposições. No País, sobretudo, mas também na Suécia, onde apresentou as embarcações da nossa laguna, com a explicação da função de cada uma.
São miniaturas da Ria e do Mar. De todas as miniaturas, distingue-se a Nau S. Vicente, pelo valor dos pormenores e pela beleza. Garante que foi feita à escala, segundo planta do Ministério da Marinha, e projectos de Arménio Mónica, filho do Mestre Manuel Maria Bolais Mónica. Apreciámos quanto estava exposto. E sobre cada barquinho, lá ia explicando: Caravela do séc. XV, para a pesca do bacalhau; Gazela I e Brites; Sebastião D’El Cano, de Espanha, equivalente à nossa Sagres; bateiras, moliceiros e mercantéis da Ria de Aveiro; Santa Maria Manuela; Navegante, cuja construção custou 12 contos de réis, em 1921; Barco do Mar de quatro remos.
Paralelamente à construção de miniaturas, Marcos Cirino tem recolhido, de antigos carpinteiros navais, algumas ferramentas, que gostaria de ver expostas num museu para esse fim criado, já que esta arte tende a desaparecer com a morte dos últimos mestres da construção de barcos de madeira. Mas como já há outros museus…
Fernando Martins
Fernando Martins
Sem comentários:
Enviar um comentário