Cruzeiro actual
Quando D. Afonso Henriques combatia pela nossa Independência nos campos de Ourique, viu no Céu o sinal que lhe prometia a vitória. Na Cruz que Cristo lhe mostrava lá no alto, estavam garantidos o milagre e a promessa que, em pouco tempo, se haviam de realizar. In hoc signo vinces - Com êste sinal vencerás! estava lá escrito. E o príncipe venceu. E aquela hora que Deus marcou com êste sinal, no Céu, firmou a nossa Independência, já oito vezes secular, e, o que Portugal foi durante êsses oito séculos dí-lo a nossa História cheia de heroismos, repleta de tradições gloriosas.
A Cruz do Céu de Ourique, tinha-se ligado num amplexo imorredoiro à espada victoriosa do Rei Conquistador, e aquele abraço da Cruz e da Espada naquele campo histórico, foi o pronúncio do eterno cantar, sempre glorioso e cavalheiresco, da alma nacional.
A Cruz e a Espada, sempre aliadas, trabalhavam com fulgor e decisão o nosso lindo Portugal; fixavam-lhe as fronteiras, sacudindo para além delas os inimigos de Cristo, os crentes do Alcorão. Formada e consolidada a pátria metropolitana, tornava-se necessário dar ao mundo novos mundos, dar mais almas a Deus; era preciso alargar as fronteiras para terras longinquas, e fazer dêste Portugal do Santíssimo Sacramento e de Santa Maria, dêste Portugal pequenino em território, um Portugal maior, com novas terras que desconheciam Deus e que o mundo desconhecia.
A Providência que move tudo, colocava no solitário promontório de Sagres a insinuante e meditabunda figura de sábio, o Infante D. Henrique, a medir o Oceano e o Céu, a estudar a profundidade dos seus mistérios, adivinhar-lhes as suas surprezas. E depois... a seguir, a sulcar as ondas, partiu essa pleiade de navegadores e de gigantes, que domou as águas e conquistou impérios.
A geração ínclita do Mestre de Aviz, preparava e comandava assim por mares nunca dantes navegados, sob a sigla da Cruz, traçada nas velas das naus e das caravelas, essas embaixadas de mareantes, de missionários e santos a conquistar almas para Deus, a dar-nos territórios. Portugal irrequieto tinha a sêde das conquistas: a conquista de Deus; a conquista das almas; a conquista de glórias. E a êsse espírito de conquistador, aliava perfeitamente uma vida de continuidade sôbre as maravilhas operadas.
Portugal não descançou à sombra das honras das vitórias que lhe engrinaldaram a fronte. Ele viveu a vida intensa de soldado, de trabalhador da terra, de explorador do mar, de descobridor e como que amalgamou nestas lindas prendas de antanho, uma outra vida mais sublime, mais esplendorosa e espiritual. Continuou sempre a sua vida de missão, de portador de uma doutrina tôda celeste, duma civilização que a selva desconhecia.
Portugal foi e é sempre missionário, antes de ser soldado. Por tôda a parte que caminhava, levava a cruz e cingia a espada. A época dos descobrimentos foi para êle um cântico mais retumbante, um hino permanente, que se fêz ouvir através do mundo. É que Deus estava com êle. Antes da largada para essas emprezas arriscadas e desconhecidas, e que Deus havia de abençoar, ouvia-se missa e comungava-se na praia do Restelo resava-se no convés das caravelas e depois... celebrava-se aos indígenas, prègava-se e batisava-se pelas selvas virgens que, desde êsse momento ficavam fazendo parte do império português.
Os padrões que a dinastia de Aviz ia firmando pelas praias e pelas terras descobertas na Ásia, na África, na América e na Oceania, ao mesmo tempo que nos garantiam o domínio de um grande império atestavam também o valor da nossa raça, a coragem dos nossos soldados e mareantes, a vitalidade magnífica da nossa Independência indestrutível. No vértice daqueles padrões do deserto, ficava sempre a sobrepujá-los o brasão das quinas ou das cinco chagas e a Cruz de Cristo. É por isso que Camões celebrou em dois versos do seu imortal poema... aqueles Reis que foram dilatando... a Fé e o Império... É por isso que nós hoje e Portugal inteiro, comemoramos os centenários da Independência e da Restauração fixando na teara portuguesa os tradicionais cruzeiros ou os plintos, encimados por Jesus cruxificado...
Desde 1139, Fundação da Nacionalidade, até ao desastre de Alcácer Kibir, Portugal nunca teve um eclipse a interceptar-lhe o seu Céu constelado de conquistas e de glorias. A bênção de Deus pairava acolhedora sobre êste jardim à beira mar plantado, assim como velava sôbre os seus domínios e climas tropicais da África e dos Brasis, ou sôbre as longínquas feitorias da Índia e de Timor. Ao de D. Sebastião seguiram-se sessenta anos de cativeiro, mas a alma nacional não tinha morrido, nem afrouxado. Se alguns traidores houve um dia, se suportamos o peso da decadência por que nos fêz passar o domínio dos reis castelhanos, jamais na alma verdadeiramente portuguesa deixaram de faíscar a centelha e o génio de brio nacional.
Portugal queria viver das suas tradições gloriosas, queria sacudir o jugo e o opróbrio que o humilhavam, queria a sua Independência. No esplendor dos palácios como tugúrios dos pobres a alma nacional ia-se retemperando na dôr e todos de mãos suplicantes pediam a Deus que afastasse a desgraça. Soou finalmente a hora do resgate. E o primeiro de Dezembro de 1940 [1640, e não 1940, como refere o jornal], ao bater a primeira badalada das nove horas, no relógio da tôrre, quarenta fidalgos portugueses saem das carroças, precipitam-se pelo palácio do Terreiro do Paço e D. Miguel de Almada com as lágrimas nos olhos, louco de alegria, exclama: Deus fêz o milagre e a promessa de Cristo a D. Afonso Henriques está cumprida.
Miguel de Vasconcelos, o traidor, tinha sido lançado pela janela fora e foi morto. O oitavo Duque de Bragança foi proclamado rei de Portugal com o título de D. João IV. As orações do bispo, D. Rodrigo da Cunha, tinham sido ouvidas na capela mór da Sé de Lisboa. A Igreja continuava a sua missão patriótica de guindar Portugal à exuberância da sua vitalidade. Portugal não morria e não deve morrer.
Pela ligeira resenha que acabais de ouvir deveis tirar a conclusão de que os nossos padrões e os nossos cruzeiros têm simbolizado através de todos os tempos o domínio político-religioso de Portugal sobre os territórios tomados, mais ainda, o domínio espiritual de Cristo sôbre as almas.
Meus senhores: acabamos de fazer o descerramento, bênção e inauguração do nosso Cruzeiro do Duplo Centenário da Independência e Restauração de Portugal. Resta agradecer e felicitar a digna Comissão dêstes festejos que se não tem poupado a trabalhos para que tudo corresse bem, a bem da Nação e a bem da nossa frèguezia e por último a incitar o povo a que todo concorra com donativos compatíveis com as suas possibilidades, para que assim cada um possa dizer que tem um grão de pedra neste monumento que é da frèguezia e que aqui fica a ser contemplado e venerado por vós e pelos vossos vindouros por largos séculos.
Salvé! Ó Cruz bendita! Cruzeiro da Independência e da Restauração! Padrão imorredoiro que aqui ficas a atestar a quantos passam o nosso amor por Portugal. A êstes, e àqueles que te contemplam com mais amor ainda; e com mais piedade, ficas aqui a patentear a tua Cruz e as chagas do teu Cristo, que já os nossos maiores levaram pelas terras e pelos mares, e que os homens de hoje levam nas azas dos aviões pelos ares! Salvé! Cruz..."
Cruzeiro dos Centenários na Gafanha
Lê-se no Correio do Vouga, semanário católico e órgão da Diocese de Aveiro:
"Conforme prometemos no último número deste jornal, publicamos hoje [14 de Setembro de 1940] o discurso proferido pelo Rev. P.e João Vieira Rezende, na inauguração do Cruzeiro dos Centenários, na Gafanha da Encarnação:
Eis-nos aqui, em frente dêste monumento histórico, que na algidez e dureza da sua pedra, ficará a atestar pelas eras em fora a nossa fé e a nossa piedade. Alem disso, será êle também um documento e um testemunho de que nós, o povo da Gafanha da Encarnação, não quisemos ficar insensíveis e indiferentes a êsse movimento de fé e de patriotismo, que há quási dois anos tem alastrado de norte a sul de Portugal.
Colaboraremos também nós, com essas entusiásticas e vibrantes manifestações dos dois amores lusitanos: o amor de Deus e o amor da Pátria. Êste humilde plinto, encimado pela cruz (símbolo de fé e de fraternidade) foi edificado por nós neste cantinho da frèguezia, em comemoração dos dois centenários, dessas festas evocativas da rota gloriosa que Portugal traçou no mundo, desde o seu providencial nascimento em Ourique até aos tempos auspiciosos que vão passando. Nós queremos também neste ano jubiloso de 1940, relembrar os feitos heróicos, praticados pelos portugueses, quer nas horas festivas da nossa Independência, quer nas horas redentoras da nossa Restauração, quer ainda nestas horas que passam, de verdadeira e reconstrutiva Revolução social.
Colaboraremos também nós, com essas entusiásticas e vibrantes manifestações dos dois amores lusitanos: o amor de Deus e o amor da Pátria. Êste humilde plinto, encimado pela cruz (símbolo de fé e de fraternidade) foi edificado por nós neste cantinho da frèguezia, em comemoração dos dois centenários, dessas festas evocativas da rota gloriosa que Portugal traçou no mundo, desde o seu providencial nascimento em Ourique até aos tempos auspiciosos que vão passando. Nós queremos também neste ano jubiloso de 1940, relembrar os feitos heróicos, praticados pelos portugueses, quer nas horas festivas da nossa Independência, quer nas horas redentoras da nossa Restauração, quer ainda nestas horas que passam, de verdadeira e reconstrutiva Revolução social.
Quando D. Afonso Henriques combatia pela nossa Independência nos campos de Ourique, viu no Céu o sinal que lhe prometia a vitória. Na Cruz que Cristo lhe mostrava lá no alto, estavam garantidos o milagre e a promessa que, em pouco tempo, se haviam de realizar. In hoc signo vinces - Com êste sinal vencerás! estava lá escrito. E o príncipe venceu. E aquela hora que Deus marcou com êste sinal, no Céu, firmou a nossa Independência, já oito vezes secular, e, o que Portugal foi durante êsses oito séculos dí-lo a nossa História cheia de heroismos, repleta de tradições gloriosas.
A Cruz do Céu de Ourique, tinha-se ligado num amplexo imorredoiro à espada victoriosa do Rei Conquistador, e aquele abraço da Cruz e da Espada naquele campo histórico, foi o pronúncio do eterno cantar, sempre glorioso e cavalheiresco, da alma nacional.
A Cruz e a Espada, sempre aliadas, trabalhavam com fulgor e decisão o nosso lindo Portugal; fixavam-lhe as fronteiras, sacudindo para além delas os inimigos de Cristo, os crentes do Alcorão. Formada e consolidada a pátria metropolitana, tornava-se necessário dar ao mundo novos mundos, dar mais almas a Deus; era preciso alargar as fronteiras para terras longinquas, e fazer dêste Portugal do Santíssimo Sacramento e de Santa Maria, dêste Portugal pequenino em território, um Portugal maior, com novas terras que desconheciam Deus e que o mundo desconhecia.
A Providência que move tudo, colocava no solitário promontório de Sagres a insinuante e meditabunda figura de sábio, o Infante D. Henrique, a medir o Oceano e o Céu, a estudar a profundidade dos seus mistérios, adivinhar-lhes as suas surprezas. E depois... a seguir, a sulcar as ondas, partiu essa pleiade de navegadores e de gigantes, que domou as águas e conquistou impérios.
A geração ínclita do Mestre de Aviz, preparava e comandava assim por mares nunca dantes navegados, sob a sigla da Cruz, traçada nas velas das naus e das caravelas, essas embaixadas de mareantes, de missionários e santos a conquistar almas para Deus, a dar-nos territórios. Portugal irrequieto tinha a sêde das conquistas: a conquista de Deus; a conquista das almas; a conquista de glórias. E a êsse espírito de conquistador, aliava perfeitamente uma vida de continuidade sôbre as maravilhas operadas.
Portugal não descançou à sombra das honras das vitórias que lhe engrinaldaram a fronte. Ele viveu a vida intensa de soldado, de trabalhador da terra, de explorador do mar, de descobridor e como que amalgamou nestas lindas prendas de antanho, uma outra vida mais sublime, mais esplendorosa e espiritual. Continuou sempre a sua vida de missão, de portador de uma doutrina tôda celeste, duma civilização que a selva desconhecia.
Portugal foi e é sempre missionário, antes de ser soldado. Por tôda a parte que caminhava, levava a cruz e cingia a espada. A época dos descobrimentos foi para êle um cântico mais retumbante, um hino permanente, que se fêz ouvir através do mundo. É que Deus estava com êle. Antes da largada para essas emprezas arriscadas e desconhecidas, e que Deus havia de abençoar, ouvia-se missa e comungava-se na praia do Restelo resava-se no convés das caravelas e depois... celebrava-se aos indígenas, prègava-se e batisava-se pelas selvas virgens que, desde êsse momento ficavam fazendo parte do império português.
Os padrões que a dinastia de Aviz ia firmando pelas praias e pelas terras descobertas na Ásia, na África, na América e na Oceania, ao mesmo tempo que nos garantiam o domínio de um grande império atestavam também o valor da nossa raça, a coragem dos nossos soldados e mareantes, a vitalidade magnífica da nossa Independência indestrutível. No vértice daqueles padrões do deserto, ficava sempre a sobrepujá-los o brasão das quinas ou das cinco chagas e a Cruz de Cristo. É por isso que Camões celebrou em dois versos do seu imortal poema... aqueles Reis que foram dilatando... a Fé e o Império... É por isso que nós hoje e Portugal inteiro, comemoramos os centenários da Independência e da Restauração fixando na teara portuguesa os tradicionais cruzeiros ou os plintos, encimados por Jesus cruxificado...
Desde 1139, Fundação da Nacionalidade, até ao desastre de Alcácer Kibir, Portugal nunca teve um eclipse a interceptar-lhe o seu Céu constelado de conquistas e de glorias. A bênção de Deus pairava acolhedora sobre êste jardim à beira mar plantado, assim como velava sôbre os seus domínios e climas tropicais da África e dos Brasis, ou sôbre as longínquas feitorias da Índia e de Timor. Ao de D. Sebastião seguiram-se sessenta anos de cativeiro, mas a alma nacional não tinha morrido, nem afrouxado. Se alguns traidores houve um dia, se suportamos o peso da decadência por que nos fêz passar o domínio dos reis castelhanos, jamais na alma verdadeiramente portuguesa deixaram de faíscar a centelha e o génio de brio nacional.
Portugal queria viver das suas tradições gloriosas, queria sacudir o jugo e o opróbrio que o humilhavam, queria a sua Independência. No esplendor dos palácios como tugúrios dos pobres a alma nacional ia-se retemperando na dôr e todos de mãos suplicantes pediam a Deus que afastasse a desgraça. Soou finalmente a hora do resgate. E o primeiro de Dezembro de 1940 [1640, e não 1940, como refere o jornal], ao bater a primeira badalada das nove horas, no relógio da tôrre, quarenta fidalgos portugueses saem das carroças, precipitam-se pelo palácio do Terreiro do Paço e D. Miguel de Almada com as lágrimas nos olhos, louco de alegria, exclama: Deus fêz o milagre e a promessa de Cristo a D. Afonso Henriques está cumprida.
Miguel de Vasconcelos, o traidor, tinha sido lançado pela janela fora e foi morto. O oitavo Duque de Bragança foi proclamado rei de Portugal com o título de D. João IV. As orações do bispo, D. Rodrigo da Cunha, tinham sido ouvidas na capela mór da Sé de Lisboa. A Igreja continuava a sua missão patriótica de guindar Portugal à exuberância da sua vitalidade. Portugal não morria e não deve morrer.
Pela ligeira resenha que acabais de ouvir deveis tirar a conclusão de que os nossos padrões e os nossos cruzeiros têm simbolizado através de todos os tempos o domínio político-religioso de Portugal sobre os territórios tomados, mais ainda, o domínio espiritual de Cristo sôbre as almas.
Meus senhores: acabamos de fazer o descerramento, bênção e inauguração do nosso Cruzeiro do Duplo Centenário da Independência e Restauração de Portugal. Resta agradecer e felicitar a digna Comissão dêstes festejos que se não tem poupado a trabalhos para que tudo corresse bem, a bem da Nação e a bem da nossa frèguezia e por último a incitar o povo a que todo concorra com donativos compatíveis com as suas possibilidades, para que assim cada um possa dizer que tem um grão de pedra neste monumento que é da frèguezia e que aqui fica a ser contemplado e venerado por vós e pelos vossos vindouros por largos séculos.
Salvé! Ó Cruz bendita! Cruzeiro da Independência e da Restauração! Padrão imorredoiro que aqui ficas a atestar a quantos passam o nosso amor por Portugal. A êstes, e àqueles que te contemplam com mais amor ainda; e com mais piedade, ficas aqui a patentear a tua Cruz e as chagas do teu Cristo, que já os nossos maiores levaram pelas terras e pelos mares, e que os homens de hoje levam nas azas dos aviões pelos ares! Salvé! Cruz..."
NOTA: Transcrição fiel e integral, com respeito, obviamente, pela ortografia da época.
F.M.
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