POSTAL DO PORTO – 203
BOTE-ME A SUA BÊNÇÃO
Quedemo-nos neste Domingo de Páscoa a reviver e gozar alguns momentos que nos enrijavam o corpo e nos enchiam o espírito.
A primeira bênção que recebíamos no tempo pascal era a bênção do lume! Como nos sabia bem e aquecia a alma aquele calorzinho que saía da boca do forno! Pés descalços, uns panitos coçados a cobrir a pele, frio de rachar, num tiritar constante até ranger os dentes, que consolo aquelas chamas coloridas e mesmo o fumo que nos fazia chorar! E havia magia nesse fogo pascal: o negrume preto dos tijolos do forno tornava-se vermelho irradiante! Que maravilha! Abençoado fogo!
Mas uma segunda bênção vinha até nós: os folares, o pão doce e os ovos. Víamos o suor cair do rosto de nossos pais e mães enquanto misturavam, amassavam, batiam, atiravam ao ar, e voltavam a amassar. Com que afã viviam estes momentos! E a Mãe benzia o pão ‘S. Vicente te acrescente…’ e traçava uma grande Cruz na massa que agora ficava a descansar para levedar, para crescer. E cobria-se com um pano sobre o mexão atravessado na masseira. Depois de cozidos, os folares eram uma bênção para as nossas bocas sedentas de pão e para nossos estômagos esquecidos de pão de trigo e doce. Então dos ovos a bênção era a dobrar: alimento de doentes e dias festivos; estes, cozidos e pintados na panela e recozidos no forno, são manjar de festim que sabe a outro Mundo! Abençoado folar!
Por fim, tudo culminava com a bênção do Padrinho e com a bênção da Madrinha. ‘Bote-me a sua bênção’ era o pedido que se ouvia e sentia e repetia, agora dirigido a padrinhos e madrinhas. ‘Se não pedires a bênção, não tens folar!’ Mas chegado o dia de Páscoa, em casa dos padrinhos, os joelhos iam a terra e o ‘bote-me a sua bênção’ ouvia-se respeitosamente e era correspondido com o solene ‘Deus te abençoe!’.
Pois que a todos nós, Deus nos abençoe!
Manuel
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