Na noite passada, lembrei-me da taberna do Ti Manuel Maria Bola e das desgarradas que lá ouviam. Era eu ainda menino!
Era lá que os passantes iam beber o seu copo e comer a sua bucha.
Os que vinham de burro - normalmente vender laranja de Mira - deixavam os burros amarrados às argolas existentes para o efeito, chumbadas na parede. Outros que vinham a negócio, serranos, por vezes traziam as suas violas, e então, depois dos copos, era ouvi-los a cantarem ao desafio.
Recordo-me que o meu avô nos explicava como era:
-Um, desafiante, lançava o "Mote" (Era um verso com quatro linhas). O desafiado respondia com um verso de dez linhas, a última das quais tinha que ser, por ordem, uma das linhas constantes do mote! E as cantigas seguiam-se com um dos cantadores a responder ao outro.
Fiz uma "cantiga" cuja letra serviria para os tempos actuais, e que anexo, para o vosso comentário.
Ângelo Ribau
Lembranças da Mocidade
Quando eu era pequenino
No tempo do meu avô
Minha terra tinha coisa
Que hoje já se acabou
Havia uma guerra
Havia pessoas que lutavam
Que morriam
Que tornavam heróis
Os que venciam
Os que morriam deixavam a terra
Para eles acabava-se a guerra
Os que ficavam lutavam
Para poderem sobreviver na terra
Quando eu era pequenino
Na casa de meu avô
Havia milho na caixa
Que não nos deixava passar fome
Havia horta no quintal
Que não nos deixavam passar mal
Havia uma vaca que dava leite
Para a gente se alimentar
Até se fartar
Era assim
No tempo do meu avô
Tinha coisa boa
Que hoje já não tem
Tinha praias onde ia tomar banho
Com autorização de minha mãe
Tinha juncal
Onde fazia ninho o pardal
Tinha tanta coisa boa
Que ao recordar
Até pareço falar à toa
Minha terra tinha coisa
Agora me lembro.
Foi em Setembro
Tinha acabado a guerra. O meu avô chamou
E indicou o céu mole
Onde centenas de aviões passavam
E encobriam o sol
Estes são os vencedores. Diz
Deixaram para traz milhões de mortos
São os heróis da guerra
Que hoje já se acabou
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