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ABERTURA DA BARRA DE AVEIRO

Planta da Barra em 1843. Arquivo do Porto de Aveiro
Ao longo do ano de 2008 assistiu-se, com agrado, às diferentes iniciativas e cerimónias destinadas a assinalar os duzentos anos da abertura da Barra de Aveiro. Organizaram-se exposições muito interessantes e elucidativas sobre os antecedentes que levaram à execução do projecto, a complexidade dos trabalhos a executar, a tremenda dificuldade para os levar a cabo, a importância do seu funcionamento para o progresso verificado paulatinamente na região, a qualidade dos responsáveis e executores principais, que foram homenageados, como era natural. Seria justo que tivesse sido dado um minuto de glória aos muitos trabalhadores anónimos que, com o suor do seu rosto, deram corpo ao projecto que permitiu salvar o pouco que já restava de Aveiro e mudar a face de toda a região envolvente, que se tornou um pólo de desenvolvimento e progresso notáveis. Muitos terão sacrificado a sua vida, quer perecendo em acidentes de trabalho, afogados ou esmagados, como era natural em tempos em que a segurança não era objecto de normas estritas e vigiadas como hoje, nem os meios disponíveis correspondiam ao necessário. Muitos vieram de longe perseguindo uma oportunidade de ganhar o magro pão para a família que ficava lá atrás, sobretudo no último ano, em que os trabalhos foram acelerados, empregando-se para isso toda a gente disponível e lançando mão de todos os recursos possíveis. Esses vinham dispostos a suportar todos os sacrifícios que lhes permitissem levar para casa tudo o que pudessem poupar do pagamento do seu esforço. No decurso de investigações que tenho desenvolvido sobre o povoamento da Gafanha desde o século XVII até aos nossos dias, deparou-se-me um assento de óbito que me obrigou a uma reflexão sobre esses trabalhadores anónimos, desprotegidos e esquecidos, que pagavam com o seu corpo as tristes condições a que se viam submetidos devido à sua miséria. Transcrevo-o, sem mais comentários, pois a sua crua simplicidade é eloquente: “ Requeixo - Manoel de Oliveira da Estrada Em dois de Março de mil oitocentos e sete anos faleceu da vida presente sem sacramentos por se achar morto junto às paredes de Nossa Senhora da Conceição cujas estão na veia da Gafanha e aí morreu com frio vindo ajudar a abrir a Barra Manoel de Oliveira da Estrada do Lugar e Freguesia de Requeixo casado que era com Maria Francisca filho de João de Oliveira e Francisca João do Lugar da Taipa da mesma Freguesia foi amortalhado em um lençol que lhe deu a Santa Casa da Misericórdia e acompanhado pelos Irmãos da dita Santa Casa era ordinário na altura magro barbas e cabelo preto salpicado de branco e foi sepultado no Adro desta Igreja de Vagos de que fiz este assento que assinei era ut supra (Assinatura) O Parº. Manoel de Almª. e Payva…” à margem do assento: “ Fiz 1 Nocturno era pobre” (e assinou o Pároco). Inclinemo-nos em silenciosa homenagem, em nome dos primeiros habitantes da “Gafenha”, nossos antepassados, respeitosos e solidários protagonistas de esforçada aventura de sobrevivência e progresso. Orquídea Ribau
NOTA: A partir de hoje, os meus Blogues vão passar a contar com mais uma colaboradora. Orquídea Ribau, da Gafanha da Encarnação, tem-se dedicado à pesquisa história relacionada com a Gafanha. Folgo em poder contar com ela. Ao mesmo tempo, quero dizer aos meus leitores que os meus Blogues continuam abertos a outras colaborações, sempre pela positiva. Os meus agradecimentos sinceros à Orquídea, com votos de grandes êxitos culturais, profissionais e pessoais.
FM

Comentários

Anónimo disse…
História curiosa... Quantas haverá semelhantes? É verdade que só ficam na história os chefes... As pessoas humildes são sempre ignoradas.

Jeremias Ferreira

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