segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Formação do espaço que hoje habitamos (2)

Formação da restinga

Neste vaivém, a laguna aveirense foi sofrendo as consequências da impossibilidade do rejuvenescimento das suas águas, que se tornaram putrefactas e, naturalmente, fonte de doenças respiratórias e outras. A laguna em morte lenta ia matando e afugentando gentes próximas. 
Várias tentativas se sucederam para abrir a passagem das águas do Atlântico para a ria, escancarando frágeis portas a embarcações que demandavam Aveiro e região. Desde a Torreira a Mira, no espaço de tempo compreendido entre 1200 e 1808, altura em que a Barra de Aveiro assentou arraiais de vez, a ligação à ria fez-se na Torreira, Mira, Quinta do Inglês, Vagueira, Costa Nova e Senhora das Areias. 



Localização da barra através dos  tempos  (fig. 3)


Quando em 3 de Abril de 1808 a ria foi, finalmente, purificada a valer, já por aqui se tinham estabelecido, há muito, povos de terras vizinhas, sobretudo de Vagos e Mira.
Para que o empreendimento histórico da abertura da barra se tornasse realidade, como fundamental ao progresso da região, não faltaram representações e empenhos junto dos Governos, nem sempre bem sucedidos ou tardiamente assumidos como tarefa prioritária. Séculos de indecisões, projectos demorados, interesses políticos contraditórios, dificuldades económicas, de tudo um pouco houve para justificar a demora.

Razões fortes não faltavam para se avançar. As águas podres da laguna aveirense, sem ligação ao mar suficientemente ampla e livre, capaz de abrir portões às marés, com as suas correntes purificadoras da enchente e da vazante, tornavam pestilento o ar que se respirava. Doenças e dificuldades de toda a ordem reduziram drasticamente, por fuga ou morte, a população da cidade e arredores. Era urgente abrir a barra no sítio exacto. E esse sítio exacto foi procurado, entre outros, pelos Engenheiros Oudinot e seu genro Luís Gomes de Carvalho. 
Lembremos, porém, o que referiu o aveirense Comandante Silvério Ribeiro da Rocha e Cunha (n. 22 de Março de 1876), no seu trabalho “AVEIRO – Soluções para o seu problema marítimo, a partir do século XVII”(1) 
[Nos finais do século XVII], «A desordem económica gera a desordem dos espíritos. Cada um cobiça o pedaço de pão negro do vizinho, ou a magra caldeirada que, de quando em quando, pôde tirar da água lodosa da laguna; os povos limítrofes disputam, espancam-se brutalmente, e continuam a morrer de fome.

Das dezasseis casas nobres, que tinha havido na vila [Aveiro], restavam duas, e no caos de misérias só ficaram de pé as ordens religiosas por disciplina e obediência à sua finalidade.»
Foi nesta altura e neste ambiente que os avós dos primeiros gafanhões se estabeleceram nos areais inóspitos que constituem as Gafanhas dos nossos dias.
Mais adiante, refere que no último quartel do século XVIII o problema se apresentava como necessidade «de salvação pública», condicionada «por dificuldades severíssimas» E acrescenta: «Era preciso sanear a região para defender a vida do homem, e pôr à disposição da sua actividade as riquezas latentes para lhe garantir a subsistência.»
Os registos não se cansam de recordar os avanços e recuos do mar, ora trazendo areias, ora levando-as para outros lados, numa dança quase sem fim. Tarefa pouco cansativa para o mar, mas ao mesmo tempo desafiadora das ambições humanas que apenas queriam o bem para pessoas e comunidades. 
Em 1800, a Gafanha era já bastante povoada, na sua maioria por foreiros, e em 1808, a 3 de Abril, Luís Gomes de Carvalho abre então a Barra, no local estrategicamente definido por estudos exaustivos levados a cabo por si próprio, na sequência de outros iniciados pelo Engenheiro Oudinot, de nacionalidade francesa, entretanto destacado para a Madeira, onde o esperavam outras tarefas urgentes. 
O Comandante Rocha e Cunha descreve o feito com alguma poesia de permeio, que bem simboliza a fama deste acontecimento vital para estas terras e suas gentes:

(1) Conferência apresentada pelo autor em 14 de Junho de 1930. 


(Continua)

Notas:

1.Mapas elaborados por João Gonçalves Gaspar;
2. "GAFANHA DA NAZARÉ — 100 ANOS DE VIDA"




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