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Considerações gerais sobre a Gafanha da Nazaré


Nota Prévia

1. Sou do tempo em que a Gafanha da Nazaré era uma moçoila cheia de viço, com os seus 28 anos de vida e com uma grande vontade de se projetar no futuro. Soube mais tarde que os seus pais e avós enfrentaram imensas dificuldades, em luta constante para tornar férteis os solos areentos e esbranquiçados, onde quase nada se criava digno de menção. Mas deles também fiquei a saber que, com trabalho persistente, teimoso, tudo foi possível. Vontade não lhes faltou para ajeitar um berço mais fofo e acolhedor para os herdeiros. E a guerra titânica contra ventos e marés projetou-se no viver e sentir de todos os gafanhões, que hoje se orgulham dos seus antepassados.

2. Senti isso mesmo quando, menino ainda, vi como os gafanhões partilhavam trabalhos e canseiras, como se entreajudavam nas horas de aperto, como ganhavam tempo nas mais diversas tarefas, nomeadamente, na construção de habitações para jovens nubentes. Como se comoviam com mortes de familiares e vizinhos, como festejavam casamentos e natais e como se associavam para auxílio mútuo, em caso de morte do gado.

3. Admirei a sua capacidade de organização para responder à incapacidade das autarquias, quando lhes negaram o fornecimento da energia eléctrica, que atirasse para um museu qualquer os candeeiros a petróleo, quantas vezes de vidros defumados, que mal deixavam distinguir em noites escuras silhuetas de gente cansada das tarefas do dia.

4. E como, anos depois, a Cooperativa Elétrica da Gafanha da Nazaré, por razões de políticas governamentais, resultantes do 25 de Abril, foi obrigada a reformular a sua existência. “Deixou de fornecer a luz elétrica para passar a oferecer a luz da cultura” ao nosso povo, no dizer de uma gafanhoa numa Assembleia Geral em que se deu vida à Cooperativa Cultural.

5. Sendo uma filha do Porto de Aveiro, apesar de todas as vicissitudes, já que a Barra, aberta em 3 de Abril de 1808, assoreava frequentemente, o que impedia a regular entrada e saída de navios de lastro mais exigente, não quis ficar dependente dele, abrindo-se às mais variadas atividades. 
E à medida que as condições melhoravam, graças ao esforço reivindicativo das autoridades locais e à visão inegável de alguns Governos do País, garantindo segurança, tudo se foi alterando. 
O Porto de Aveiro deu grandes saltos rumo ao futuro, sendo hoje o mais completo porto português, abarcando, presentemente, a totalidade das áreas portuárias: comercial, industrial, pesca longínqua e costeira. E é servido agora por novas redes rodoviária e ferroviária. 
Apresenta-se ainda com espaço e ambições para mais crescer, transformando-se num potencial fator de desenvolvimento nacional.

6. Se é verdade que o progresso material tem sido nota dominante e característica da Gafanha da Nazaré, não é menos verdade que o desenvolvimento a vários níveis não ficou para trás. Há gafanhões formados nos mais variados ramos das ciências e tecnologias, bem como em áreas humanísticas, mas também no campo religioso e espiritual. E não faltam instituições que lhes dão corpo. 

7. A Igreja Católica foi desde a primeira hora mola real e suporte da formação do homem todo e de todos os homens que se enquadram nesta zona, graças não só ao que à sombra da igreja matriz se tem implementado, mas sobretudo ao labor de outras sensibilidades religiosas, em especial, movimentos, congregações e serviços.

8. A vida da freguesia e paróquia da Gafanha da Nazaré foi bastante rica. Aliás, pudéssemos nós escalpelizar tudo o que foi feito desde 1910 e mesmo antes, e teríamos uma relação interminável de realizações, projetos, iniciativas e ações (oficiais, eclesiais, empresariais e particulares), que perfeitamente justificam a posição que a nossa terra hoje legitimamente ocupa no contexto regional e nacional.

9. Neste ano do centenário da criação da freguesia e paróquia da Gafanha da Nazaré, urge assumir os desafios que os nossos antepassados nos legaram, rumo ao sonho de fazer desta terra, conquista após conquista, um lugar onde seja agradável viver.

10. Este modesto trabalho (elaborado a correr, que o tempo foi pouco), inacabado e imperfeito, merece, pela terra e pelo povo, continuidade nos próximos tempos. Na certeza de que o futuro não pode construir-se sem respeito pelo passado e pelo presente.

Fernando Martins

Do livro “Gafanha da Nazaré — 100 anos de vida”, publicado em 2010

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