quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Os Lugares da Gafanha da Nazaré

Lugar do Forte
Chave, Cale da Vila, Cambeia, Bebedouro,
 Marinha Velha, Forte e Barra

 

À medida que a comunidade ia crescendo, sob o ponto de vista demográfico, comercial e industrial, a população necessitou de identificar, por razões óbvias, os lugares em que habitava. Nos registos de baptizados, casamentos e óbitos, entre outros, surgia sempre a nota de que morava ou era natural da Gafanha. Posteriormente, muito próximo do século XX, aparecem os lugares: Cale da Vila, Chave, Cambeia, Bebedouro, Marinha Velha, Remelha, Forte e Farol.
Se alguns lugares não suscitam dúvidas quanto à designação adoptada, como é o caso de Forte e Farol, outros levam-nos a conjecturar sobre a sua origem.

Cale da Vila, que em princípio até se chamava Gafanha da Cale da Vila, terá tido a sua origem em Cale, que significava canal ou rua, que nos conduzia à Vila. De Aveiro? Penso que não, porque Aveiro era cidade há muito. De Ílhavo? Parece-me mais lógico.
Chave terá uma explicação mais lendária. Uns dizem que o povoado deste lugar configurava uma chave. De facto, e segundo os dicionários, chave pode ser um «cotovelo ou recanto que um terreno faz para algum dos lados».
Outros vêm com uma lenda, ligada aos barqueiros que, de vários pontos das Gafanhas, vinham à missa e às festas em honra da padroeira, Nossa Senhora da Nazaré, e a outras. Numa dessas festas, um deles terá perdido a chave da proa da bateira, onde guardara os seus haveres.
A procura da chave no arraial passou de boca em boca, com toda a gente a tentar ajudar o homem, não sabemos se com êxito ou sem ele. Outros ainda alvitram a hipótese de aquele lugar ter sido a chave, núcleo central, de todas as Gafanhas. Realmente, o povoamento começou naquela zona. Verosímil? Inverosímil? Seja como for, o lugar da Chave foi berço da nossa terra. Ali se construíram as duas primeiras capelas, a última das quais foi a primeira matriz, aquando da criação da paróquia.
Cambeia terá derivado de cambaia, desmoronamento dos muros da marinha, deixando passar a água? Virá dos arcos ou arcadas que suportavam a passagem de ligação ao Forte? Por baixo passava a água dos esteiros. Ainda existem alguns desses arcos a que se chamava e chama Cambeia.
Bebedouro é nome de sítio onde os animais podem beber água. Terá sido, também, onde as pessoas bebiam o precioso líquido, quando de passagem se dirigiam para as praias, onde gadanhavam ou gafenhavam o junco, quer para as camas dos animais, quer para juncar o chão das modestas habitações. No meu tempo de menino entrei em muitas cozinhas (a segunda da casa ou a do forno), pisando junco.
Marinha Velha ficou como símbolo de uma marinha de sal que ali existiu, precisamente com o mesmo nome.
Remelha  ou Romelha, como tantas vezes li e ouvi, confesso que ainda não descobri a sua origem… Conjecturar? Penso que não vale a pena. O povo assim baptizou aquele lugar e há que respeitar a tradição.
Com o desenvolvimento dos povoados que constituíram a Gafanha da Nazaré, a indicação dos lugares como locais de habitação passou a ser informação insuficiente.
Quando os carteiros, vindos de Aveiro, em meados do século XX, distribuíam e recebiam a correspondência, não o faziam de porta em porta.
Em conversa com o senhor Marcos Cirino (falecido neste ano do centenário), com boa memória para recordar a vida dos nossos antepassados, esclareceu-me sobre isso:
«Há muitos anos, havia um carteiro, o senhor Reis, que, vindo de Aveiro, deixava a correspondência em estabelecimentos estratégicos, nomeadamente, de Alberto Martins [Cale da Vila], Manuel Cravo [Chave], Caçoilo da Rocha [Bebedouro] e Joaninha Bola [Cambeia]. Seguia para o Forte, Farol e Costa Nova. No Forte, uma senhora, Rita de seu nome, esperava o correio para o levar para S. Jacinto.»
As pessoas, como é natural, tinham de procurar as cartas nesses locais. E ali entregavam a correspondência para seguir o seu destino. Quando a correspondência atingiu um número significativo, houve necessidade de baptizar as ruas, para facilitar a distribuição. Mestre Rocha, como presidente da Junta, avançou com uma proposta de certo modo inédita, para as identificar. As letras do alfabeto passaram a ser nomes de ruas. Mas tal solução, tão incaracterística, não resultou. Esclareceu Marcos Cirino. «Não havia letras para tantas ruas.»
Posta a questão à Câmara Municipal de Ílhavo, esta aceitou a ideia de atribuir nomes de pessoas às nossas ruas, sendo presidente da Junta o comerciante Albino Miranda.
Uma comissão, constituída pelo Capitão Ferreira da Silva, Dr. Maximiano Ribau, Baltasar Vilarinho, João Ribau, Marcos Cirino e outros, numa noite, escolheu 60 nomes para toda a freguesia, da qual faziam parte, como ainda fazem, o Forte e Barra.

Fernando Martins

"Gafanha da Nazaré: 100 anos de vida"

3 comentários:

Carlos Ramos disse...

Documento digno de ser divulgado e discutido nas escolas da terra.

Zovas disse...

Caro Fernando Martins,

Gostaria que m esclarece-se uma duvida caso seja para si possível.
O lugar da Romelha ou Remelha é localizado na São Salvador-Ílhavo ou na Gafanha da Nazaré?

Grato pelo esclarecemento

Fernando Martins disse...

Habituei-me à ideia de que a parte final da Gafanha da Nazaré que nos liga a São Salvador, no lugar da Gafanha de Aquém, é conhecida por Lugar de Romelha (Remelha?).

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