sexta-feira, 22 de abril de 2011

Escritores fascinados pela Ria de Aveiro — 10


Luís de Magalhães

E, conforme a hora e o cenário do céu, essa paisagem elisiamente calma, ao mesmo tempo movimentada e silenciosa, oferece tonalidades diversas: ora é toda em nuances de sanguínea, com toques e relevos de oiro; ora em tons de azul, frescos e transparentes como os das marinhas dos azulejos de Delft; agora é o verde que predomina em gradações sucessivas, desde o verde-negro dos pinhais ao verde-marinho das águas paradas; depois é o alaranjado dos poentes; depois o violeta dos crespúsculos; depois os cinzentos desbotados; os pálidos tons de pérola, as aguadas de nanquim da noite que começa... 


«E se há luar, se a lua cheia, surgindo atrás da cumeada das serras longínquas, vem banhar toda essa extensão de águas e de planícies – então os aspectos que ela oferece têm qualquer coisa de maravilhoso, de irreal, como uma visão criada por um sortilégio mágico. Entre o céu e a ria, a linha da terra fronteira é apenas um longo e fino traço escuro, um delgado filete de sombra. Os astros que cintilam no espaço cintilam também nas águas, como se o firmamento se desdobrasse ou prolongasse em abismo aos nossos pés. E de leste a oeste, sob a incidência do luar, um grande leque de prata tremeluzente abre o seu enorme triângulo luminoso sobre a água, a que a aragem apenas dá uma ligeira crispação. É um esplendor! Então, num grande silêncio, em que só o monótono rumor do mar se ouve, uma pequena bateira de pesca movida a remos, um moliceiro velejando lentamente, um mercantel impelido à vara, atravessam, lá ao longe, essa zona iluminada, num destaque nítido e cortante de pequenas sombras chinesas. E dir-se-ão visões de sonho, barquinhos de fadas, tripulados por minúsculos gnomos, negras gôndolas misteriosas, deslizando sem ruído numa laguna de águas argentinas...» 

Os moliceiros e os pescadores da Murtosa são os que mais a povoam. Toda a semana, durante alguns meses, vivem sobre essas águas, apanhando o moliço ou lançando as redes, dormindo na proa dos seus barcos, cozinhando neles ou perto deles, em terra, a sua frugal caldeirada. 

«Ria de Aveiro» 


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