sexta-feira, 13 de julho de 2012

Dia do Agricultor

Por Maria Donzília Almeida





“O tempo gasto no cultivo dos campos é muito doce.“

Ovídio


Neste dia, em que se presta homenagem ao agricultor, é interessante conhecer um pouco, sobre esta importante e antiquíssima atividade humana.
Longe vão os tempos em que a imagem duma carroça, a chiar nos gonzos, passava, pachorrentamente, nas estradas das Gafanhas. Se, puxada a vaca leiteira ou amarela, ia sem carga, não raro, via-se abolastrada no seu interior, a mulher com as alfaias agrícolas, sendo a vaca conduzida pela soga, na mão de um filho ou parente. Esta cena bucólica era recorrente numa aldeia rural, em que a agricultura absorvia as energias e o trabalho das mulheres, principalmente, e dos poucos homens que detinham o título de lavradores.



Nunca as Gafanhas foram uma grande zona agrícola, pela pobreza do seu solo arável e pelas espécies cerealíferas e vegetais, aqui cultivadas. Tratava-se de uma agricultura de subsistência que apenas contribuía para o orçamento familiar. Era uma forma de ocupar a força de trabalho da mulher, que nessa altura era pouco alfabetizada. Apesar de tudo, ainda havia muita extensão de terras de cultura e em quase todas as famílias, havia alguém que cultivava a terra, um quintal ou uma pequena horta.
Da observação do trabalho agrícola, ficou este amor à terra, e a evocação do passado, nas tarefas, em que colaborava, nas longas férias de verão: a rega do milho e posteriormente, o desmantar do mesmo com as tarefas adicionais, até à recolha para o celeiro.
O trabalho da terra, como se chamava, nas Gafanhas, não era atrativo para a juventude, nem para ninguém, já que do esforço dispendido se colhia magro sustento. Daí, termos assistido ao grande fluxo migratório, na segunda metade do século XX, a que assisti e que vivi na pele, quando o pai com parte da família emigrou para terras do tio Sam. É neste binómio emigração/agricultura que evoco uma cena marcante, dos meus verdes anos. Debatia-me eu, com as dificuldades inerentes aos estudos universitários que fazia, na Faculdade de Letras da UC. De referir que, numa época em que o ensino superior estava centrado, apenas, nas três universidades estatais, Lisboa, Coimbra e Porto, obter um grau académico de nível superior, não era pêra doce! Não se fazia com uma perna, às costas, com as facilidades que tiveram os nossos ministros, Sócrates e Relvas! Sortudos (!?) aqueles que obtiveram uma licenciatura, sem suar as estopinhas! Naqueles tempos, antes da revolução dos cravos, em que se praticava uma cultura de grande exigência, era imperioso ter os pés bem assentes, na terra e os olhos grudados nos livros! Não havia internet, nem qualquer outro meio facilitador! Era tudo conseguido a pulso. Estava eu, naquele ponto, em que as forças começavam a faltar, para vencer a dura peleja do saber! Lá longe, a travar outra luta pela vida, recebe o pai, uma carta da filha, esboçando a leve intenção de interromper os estudos.
Sem uma ameaça, sem um castigo, sem uma palavra menos doce, com toda a sabedoria que a sua inteligência e experiência de vida lhe conferem, deu a resposta mais persuasiva e convincente, que nenhum psicólogo diplomado teria excedido: - Não te preocupes, minha filha! Tenho muita terra para cavar!




Dado o caráter da pessoa em questão, não era indício que qualquer forma de ostentação latifundiária! E eu........pus-me logo a “cavar”! As dificuldades foram vencidas e a licenciatura ......a vitória final!
Da ligação aos trabalhos agrícolas, na meninice, ficou-me bem vincado o apelo telúrico, que ainda hoje me preenche e me dá a paz e a harmonia, essenciais à vida.
E, para canalizar as energias postas ao serviço duma atividade profissional intensa, agora em pousio (!?) virei-me para a horta, ostracizada, durante todo o ano letivo. O astro-rei também convida a sair da toca e aspirar os aromas da terra e a sinfonia ornitológica.
Assim, foi sob os auspícios do S. Pedro, quando precisei da couve para o caldo-verde, que decidi cavar uns regos, na terra e plantar couve-galega! O delicioso caldo, na mó de cima, tão apreciado na altura dos santos populares,
Olhando à minha volta, sem mexer uma palha, delicio-me com a prodigalidade da natureza. Espraio a vista pelo quintal e jardim e observo, em abundância, a geração espontânea de: beldroegas para a suculenta açorda à alentejana, além de frescas saladas e sopa; os espinafres, ricos em ferro, que sentindo alguma frescura pelo pé, crescem e multiplicam-se em manchas de verde vivo e preenchem as nossas lacunas em ferro; as fisálides, que germinam em todo o lado e nos oferecem os seus preciosos frutos amarelos, envoltos numa película de filigrana! A natureza surpreende-me com a sua riqueza e generosidade! As aboboreiras nascem sem serem semeadas, envoltas na terra orgânica da reciclagem. Como a Providência sabe os meus gostos e o apreço que tenho pela abóbora!
Para mim, a relação com as espécies vegetais que me circundam, tem o caráter lúdico dum jogo de diversão! A abóbora que nasceu num canteiro do jardim olho-a, todos os dias, como se tirasse as medidas, às curvas da menina! A enformar-se a este ritmo, ainda vai ao concurso da Miss Pumpkin! Dá um gozo genuíno ver o crescimento dos frutos, o arredondar das formas, até chegarem ao fim da maturação! É uma terapia, ali mesmo ao sair da porta, que sem custar dinheiro, ainda traz dividendos! É a terra a cumprir a sua função de alimento para o corpo e para a alma!
Desde a sua origem, o homem descobriu que podia arrancar da terra, o seu alimento. No século XIX, quando se formularam hipóteses sobre o seu desenvolvimento, foram estabelecidas quatro fases: na primeira, o homem foi selvagem; na segunda, nómada e domesticador; na terceira, agricultor e somente na quarta, se urbanizou.
Estudos arqueológicos mostram que ao mesmo tempo, em várias partes do mundo, o homem passou a mexer na terra, com o objetivo de se alimentar. Tinha nascido, a arte de cultivar a terra – agri+cultura; segundo o étimo latino, o cultivo dos campos.
Notáveis trabalhos de irrigação na China, de 2200AC., indicam que ali se desenvolvia a agricultura, assim como também há o registo da existência de represas, de máquinas debulhadoras e de alfaias agrícolas. Acredita-se que a técnica da irrigação tenha ido da China para a Babilónia. Por muito tempo o aparecimento da agricultura foi atribuído ao Médio Oriente, por volta de 4000A.C.
Pesquisas arqueológicas recentes, apontam para 7000A.C., além da suposição de que uma fase preliminar de cultivo da terra deve ter existido na Palestina, pelos vestígios de espécies de foices naquela região, que remontam a 9000 A.C.




A agricultura como é feita hoje, a chamada agricultura convencional, reúne um conjunto de técnicas produtivas que surgiram em meados do século XIX, conhecida como a segunda revolução agrícola, e que se baseou no lançamento dos fertilizantes químicos. Expandiu-se após as grandes guerras, com o advento do emprego de sementes, geneticamente, manipuladas, para o aumento da produtividade, associado ao emprego de agroquímicos e de maquinaria agrícola.
A agricultura orgânica apareceu entre as décadas de 20 e 40 do séc. XX, fruto de trabalhos de pesquisadores, na Índia. Baseia-se na manutenção da fertilidade do solo e da sanidade geral das plantas e animais, pela adubação orgânica e pela diversificação e rotação de culturas. Utiliza também a reciclagem de resíduos sólidos, adubos orgânicos e restos de culturas, de rochas minerais, do manejo e controle biológico de insetos. Mantém a fertilidade e sanidade do solo, para suprir as plantas de nutrientes e controlar, pragas, moléstias e infestantes.
Essa forma de cultivar a terra tem hoje muitos adeptos, tanto nos países em desenvolvimento quanto nos desenvolvidos, que a experimentam como uma alternativa à agricultura convencional.
O estudo dos efeitos, da atividade humana, sobre o meio ambiente, trouxe o conhecimento das consequências nefastas, da poluição dos cursos de água e dos lençóis freáticos subterrâneos, como o das Gafanhas, pelo uso indiscriminado de fertilizantes e pesticidas. Descobriu-se também, que a agricultura intensiva oferece riscos de erosão dos solos e danos para a vida selvagem.
Hoje, o consumidor é suficientemente informado e preocupa-se com o efeito de alimentos contaminados por pesticidas, hormonas e resíduos de antibióticos, para a saúde humana. Aumentou, então, o interesse por métodos menos convencionais, métodos mais naturais de cultivar a terra.
Nesta vertente, muita gente já descobriu essa força telúrica, apaziguadora e terapêutica da mãe terra. As hortas biológicas, disseminadas por todo o lado e até na grande cidade, são um vivo exemplo. Estão num forte revivalismo e têm vindo a conquistar adeptos e simpatizantes. O produto final pode não ser muito lucrativo, em termos económicos, mas é, sem dúvida, altamente compensador para a saúde integral do indivíduo! E......cultivar a terra, em pequena ou grande dimensão, reforça o conceito propagado pelo nosso rei D. Duarte, séc. XV (não o Pio!) – “Mens sana in corpore sano!”
13.07.2012

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