PITADAS DE SAL – 48
O VENDEDOR DE SAL E OS BURROS
Caríssima/o:
No quarto domingo do mês calha bem um conto. A escolha nem sempre é fácil… Desta vez entraremos no reino animal mas tendo ainda por perto o sal. Se me fizer companhia certamente não se arrependerá. A caminho…
«Vem da Grécia antiga a história da mula de Tales. Representa a esperteza malsucedida. Sobreviveu ao tempo graças a Plutarco.
Com uma sobrecarga de sal sobre o lombo, a mula encontra um rio pelo caminho. Atravessa-o.
O sal derrete. O peso se esvai. E a mula, supondo que não era burra, não quis mais saber de outro caminho.
O dono da mula, que tampouco queria passar por asno, troca a carga do animal. Em vez de sal, sacos de lã.
A mula toma a picada do rio. Molhada, a lã pesa como sal seco. Por pouco o animal não se afoga. Chega à outra margem. Aprende a lição. E jamais se aventura no rio.
La Fontaine tratou de incorporar a história de Tales ao seu célebre fabulário. Deu-lhe novo colorido. Rimou-a. Metrificou-a.
Em vez de uma mula, serviu-se de dois asnos. Sobre o espinhaço de um, o sal. Sobre o lombo do outro, esponjas.
Nessa versão, os burriqueiros são personagens ativos do drama. Eles montam seus respectivos animais.
Pois bem, o par de burros mergulha no rio. O do sal, aliaviado do peso, sobrevive. O das esponjas morre afogado.
Quase leva junto o seu guia. Depois de lutar contra a morte, o infeliz é resgatado por um pastor.
Eis a moral lafontainiana: “Guiar por cabeças más/não é um bom portamento;/às vezes a dita de um/faz a desgraça de um cento”.»
Esta é a fábula em verso:
«Qual romano imperador,
Um pau por cetro levava
E a dois frisões orelhudos
Um burriqueiro guiava;
Um deles trazia esponjas,
E qual postilhão corria;
O outro de sal carregado
Os pés apenas mexia;
Um sem custo, outro com ele,
Montes e vales andaram,
Até que ao vau de um ribeiro
Ultimamente chegaram.
No que levava as esponjas
O burriqueiro montou,
E fez ir para diante
O que de sal carregou.
Ele o vau desconhecendo
Pregou consigo no pego,
Nadou; veio acima, e viu
Aliviado o carrego:
Porque o sal, de que era a carga,
Derreteu-se n'água entrando,
E o seu condutor, já leve,
Pôs-se em terra e foi trotando.
O camarada esponjeiro,
Que o viu tão leve sair,
Quis à sua imitação
Também no pego cair;
Ei-lo nas águas submerso,
Esponjas e burriqueiro,
Todos três bebendo à larga
Querem secar o ribeiro.
Tão pesadas se fizeram,
Por beberem sem cessar,
Que sucumbindo o jumento,
Não pôde as margens ganhar.
O homem lutava com a morte,
Té que um pastor lhe acudiu;
Mas o burro das esponjas
Foi ao fundo, e não surdiu.
Guiar por cabeças más
Não é um bom portamento;
Às vezes a dita de um
Faz a desgraça de um cento.»
E para terminar, uma versão mais curta mas não menos violenta:
«O Burro carregado de esponjas e o Burro carregado de Sal
Iam dois burros, um carregando um fardo de sal, outro carregando um fardo de esponjas.
Chegaram à beira de um rio e, teimosos, nenhum quis desviar-se para ir à ponte, que ficava próxima, a alguns metros, e que lhes daria passagem seca e enxuta; o do sal meteu-se pela água dentro, o das esponjas ficou parado a ver o que sucederia ao seu companheiro.
A água do rio infiltrou-se na carga, e a foi dissolvendo, de modo que, quando saiu do banho e surgiu na outra banda do rio, o burro apenas conservava metade ou o terço do peso que lhe fora posto, e o malandro alegre se felicitava pela sua lembrança.
Vendo-o tão satisfeito, o outro salta na água, pensando que outro tanto lhe sucederia.
Coitado! As esponjas chuparam a água; o peso tanto aumentou que, não podendo mais, o burro caiu morto.
MORALIDADE: Antes de vos resolverdes a fazer como os outros, e de pensardes que bem vos sucederá o que bem lhes sucedeu, vede se entre vós e quem quereis imitar, há perfeita igualdade e semelhança.»
Manuel
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