Quando há anos topei com a Rua Raul Brandão, confesso que fiquei triste. É verdade. Porque o escritor merecia muito mais. Eu sei que a relação das ruas a baptizar tinha sido feita, na sua grande maioria, numa noite. De modo que, quer queiramos quer não, não havia hipótese de escolher a rua, conforme a personalidade a homenagear.
E Raul Brandão, provavelmente, na minha ótica, o que melhor cantou a nossa ria, com referência assinalável à Gafanha, merecia mais do que uma ruazinha sem expressão, sem circulação de veículos que levasse as pessoas a falar dele. A Rua Raul Brandão parte da Rua Sacadura Cabral e dirige-se para a ria, sem lá chegar.
Raul Brandão canta no seu livro Os Pescadores, de forma única, a Ria de Aveiro. Andou por aqui para a conhecer, no dia 21 de Julho, e dias seguintes, de 1922. Alguns dias, certamente, porque de outra forma não seria possível pintar um quadro tão rico.
“A ria é um enorme pólipo com os braços estendidos pelo interior desde Ovar até Mira. (…) De um lado o mar bate e levanta constantemente a duna, impedindo a água de escoar; do outro é o homem que junta a terra movediça e a regulariza. (…) Abre canais e valas, semeia o milho na ria. Povoa a terra alagadiça, e à custa de esforços persistentes, obriga a areia inútil a renovar constantemente a vida. Edifica sobre a água, conquistando-a, como na Gafanha, onde alastra pela ria.
“(…) Ninguém vem aqui que não fique seduzido, e noutro país esta região seria um lugar de vilegiatura privilegiado. É um sítio para contemplativos e poetas: qualquer fio de água lhes chega e os encanta. É um sítio para sonhadores e para os que gostam de se aventurar sobre quatro tábuas, descobrindo motivos imprevistos.
“É também sítio para os que querem descobrir novas terras à proa do seu barco e para os que amam a luz acima de todas as coisas. Eu por mim adoro-a. É-me mais necessária que o pão. E é talvez o ponto da nossa terra onde ela atinge a beleza suprema. Na ria o ar tem nervos. (…) A luz aqui estremece antes de pousar…”
Pelo que disse e pelo que ficou por dizer, digam lá, meus caros conterrâneos, se Raul Brandão merecia ou não uma rua à medida da grandeza do escritor que ele foi?
Fernando Martins
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