POSTAL DO PORTO – 192
E o galo, … viste-lo?
Caríssima/o:
Sempre que há festa na Terra, renova-se o ambiente, estralejam os foguetes e o riso é mais pronto e fagueiro, escancara-se a salgadeira e o jantar ressuma cheiro e aguça o paladar. Ah, meus amigos, a alegria espelhada nos rostos, provocada pela fartura, espalha-se por todo o canto.
Também no dia do Cortejo de Reis a cena se repete: o lume acende-se mais cedo, as cozinheiras enchem-se de brios, a canela espalha-se sobre o arroz doce ou a aletria e cresce água na boca da pequenada que espreita na esperança de lamber a colher ou ter sorte maior e poder rapar o tacho! Oh maravilha!
Porém, nesse ano, chegou o dia e a tradição não se cumpriu: a fogueira espreitou tímida para cozinhar um caldo magro. E ninguém reagiu: em breve a irmãzita seria batizada e não se podiam dar ao luxo de, em tão poucos dias, se banquetearem com duas bodas.
Não foi por isso que deixaram de correr e fazer algazarra quando apareceu a estrela e logo se sumiu que o palácio do Herodes estava perto. Cavalgada ligeira e os três Reis a conferenciarem para prepararem a visita ao senhor de Jerusalém!
O auto esgotou-se rápido e, mal a estrela foi levantada, a debandada foi geral com as mães mais apressadas para os últimos gravetos no borralho.
Só que, na última volta do caminho, a porta do pátio escancarada provocou-lhes um arrepio; a corrida acelerou. Ainda não tinham chegado e já a criação a cacarejar lhes dizia que alguém abriu a tramela. E um baque sufocou-os: Será que…?
- Qu’é do galo, … viste-lo?
De facto, o galo tinha desaparecido misteriosamente!
Maldita a hora!... Ai se eu o apanhava aqui…
A guerra tinha terminado há poucos anos, a fome era negra e, à mínima distração a boda podia ficar estragada. E foi o caso: do galo assado nem o cheiro!
Manuel
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