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TECENDO A VIDA UMAS COISITAS – 312

PITADAS DE SAL – 42 



DOENÇAS NAS MARINHAS 

Caríssima/o:

Normal será que alguém pergunte se as marinhas de sal sofrem de alguma doença. E um bom marnoto logo acenará afirmativamente com a cabeça. Procurando nos manuais, podemos ler: 

«Ronha f. Doença das salinas, produzida pelo vento do sul ou de leste, que torna a água gordurenta e incapaz de produzir sal.» 

Porém, não era destas doenças que pretendia falar, mas sim das que porventura atacavam as pessoas que aí trabalhavam, motivadas por esse trabalho ou pelas condições em que era executado. 
E o nosso Ângelo escrevia: 

«Havia ainda outra coisa terrível. Quando vínhamos da marinha, tínhamos de pegar nos bois, pô-los ao carro, e ir com eles buscar carradas de milho às terras, para no dia seguinte ser desmantado. Não havia sapatos para os pés, não havia qualquer protecção. 
Os troços do milho eram duros e feriam-nos os pés, especialmente entre os dedos. No dia seguinte, na marinha, era uma desgraça pôr os pés naquela moira tão salgada. Só quem já sentiu tais dores, pode na verdade avaliar esse sofrimento! 
Tanto valia pôr “pachos” (pedaços de pano embebidos em colódio) nessas feridas como não. Ia-se à farmácia, comprava-se o colódio, e antes de ir para a moira, enchiam-se os “poços” (buracos feitos na carne pelo sal e a moira), com o colódio, que se colava na carne, por algum tempo. 
As canelas, que enfolavam com o bater do sal, eram protegidas com “encoiras” normalmente de borracha, e que iam do pé até ao joelho, sendo amarradas com fio.» 

E na mesma linha avança Énio Semedo: 

«Um dos mais delicados problemas com que os trabalhadores do salgado se defrontam é o das feridas. Embora longe da gravidade de outrora, continuam a apoquentar os operários. 
Ao modo de cura mais antigo que consistia em “um pouco de unguento de basilicão em fios; por cima uns trapos; e cobrir tudo um bocado de sola…” e que caiu completamente em desuso, deve acrescentar-se um outro, o mais utilizado segundo os marnotos mais antigos, e que consistia em fazer um penso de um retalho de pano com as dimensões ajustadas para cobrir a ferida previamente humedecida com verniz de marceneiro; alcançava-se, deste modo, o objectivo de impermeabilizar a área afectada. Entretanto registaram-se progressos: molhar um fino caule herbáceo num frasco de coloide, adquirido na farmácia, e deixar cair tantas gotas quantas as necessárias para cobrir, de forma estanque, a ferida. 
Quando da rapação, os cristais de sal são projectados de encontro às pernas, picando-lhes a pele; se infectam, aparecem pequenos pontos de pus (fogagens) que procuram sarar espremendo-os e desinfectando-os com álcool ou aguardente; recorde-se que, outrora, se defendiam colocando caneleiras de cabedal ou de borracha. […] 
No entanto, no contacto com os marnotos o que se recolhe é a ideia da sua longevidade atribuída ao ambiente salutar das marinhas e, para além das referidas, muito poucas doenças: constipações muito raras, nada de doenças da pele. […]» [Ecomuseu do Salgado de Aveiro, 2009, p. 218] 

E terminemos com outra transcrição: 

«No já milenário trabalho das marinhas de Aveiro, nem por tradição nem por observação clínica se aponta o cancro da pele como doença profissional entre os marnotos e os demais trabalhadores da laguna. Concorrerão talvez para isso determinadas circunstâncias locais, entre elas a indústria salícola, a proporção deminuta dos raios ultra-violetas e as condições de actuação do ozone.» [António Nascimento Leitão, Aveiro e a sua Laguna, 1944, p. 90] 

Manuel

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