Mó manual
O medo da água da ria deu lugar à aventura do moliceiro e da bateira. «A maré está feita diz de forma poética o Padre Resende, nosso cicerone, neste como noutros trabalhos e o barco começa a adernar. O sol aproxima-se do zénite e os estômagos latejam em vão, estão vazios. O José da Luz, de ceroulas curtas, camisa de estopa, e de careca tisnada pelos raios solares, com os filhos impando de mocidade, olha sofregamente para a pequena cozinha voltada para a Ria, aguado pelas batatas e pela sardinha, e às vezes pelo carnêro... que a Luz lá lhes preparara. As telhas da choupana já não fumegam, o que é sinal certo de que o repasto já espera os laboriosos moliceiros. Duas bombadas de vertedoiro a aliviar o barco da água escorrida do moliço e... ala para a fossa ou para a borda.»
E como era a alimentação desta gente que se casou com os areais e com a Ria para deles viver? Pasmem os que, nos nossos dias, têm tudo à mesa e a todas as horas e em abundância. Salienta o nosso cicerone: «A alimentação média, diária e habitual de cada família de seis pessoas, é a seguinte: ao almoço somente broa; ao meio-dia (jantar) caldo com ou sem carne; à noite (ceia) dois quilos de batatas inteiras ou cortadas, com ou sem peixe, a que se adiciona algumas vezes cebola com algumas gotas de azeite. Muitas vezes a ceia é caldo que cresceu do jantar, ou papas condimentadas com feijão e carolo de milho, cozidos no caldo que ficou do jantar. Esta família gasta diariamente três a três quilos e meio de broa. O vinho raramente aparece às refeições.» O carolo era feito na mó manual.
FM
Comentários
Sobre este artigo encontro que está muito bem ambientado e a verdade é que se bem nunca fui barqueiro, durante muitos anos estive bastante relacionado com o ambiente,e me sinto enteiramente identificado con esse modo de vida, sobretudo no que diz respeito a alimentacao,a boroa sem nada mais, o caldo com cebola e umas gotas de aceite,as batatas com ou sem peixe ou carne, as sobras de uma comida para a outra... Sr. professor, tem a certeza que essa é uma descripcao da vida num barco moliceiro, e nao da vida na minha casa nesse entao? claro que as vezes em casa tinhamos a sorte de comer couves cozidas com uma gotinha de azeite...
Um abraco com saudades.
Antonio Machado Pereira