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Formação do espaço que hoje habitamos — 4

Carta de Luís Gomes de Carvalho dirigida ao príncipe, futuro D. João VI

A nova entrada da barra, mesmo sem obras que consolidassem o trabalho realizado por Luís Gomes de Carvalho, deixou antever uma ria limpa que purificasse os ares e evitasse epidemias devastadoras. Para além disso, com as tropas napoleónicas a provocarem estragos, a barra mostra a sua importância estratégica, ao permitir a entrada de trinta e oito navios, protegidos pelo brigue de guerra “Port Mahon”, que transportavam alimentos e forragens para o Exército Inglês que operava na zona e se dirigia para o Porto, como se lê em “Aveiro 2009 — Recordando Efemérides”, de João Gonçalves Gaspar.

Apesar da euforia de alguns, na altura, respeitante à abertura da Barra, não faltaram críticas acérrimas contra a obra de Luís de Carvalho, motivadas mais por razões políticas que por questões técnicas. Como liberal que era, não deixando de dar o seu contributo para a implementação do liberalismo na região, os absolutistas não lhe perdoaram a ousadia da obra feita.

Inês Amorim, no seu livro “PORTO DE AVEIRO: Entre a Terra e o Mar”, com edição integrada nas comemorações do Bicentenário da Abertura da Barra, frisa que «o porto foi barra, antes de mais», e não ignora as críticas feitas às «decisões tomadas» em cada época, em especial as dirigidas a Luís Gomes de Carvalho.

Antes da abertura no lugar que ocupa há dois séculos, a Barra esteve na Vagueira (1687), Mira (fechada, 1757), Vagueira (1758), Frente ao Forte Velho (1764), Vagueira (1777), Vagueira (1780), quase em Mira (obstruída, 1788), São Jacinto (1791), Mira (1802) e, finalmente, frente ao Forte Novo (1808). (PAETM)

As perguntas pertinentes, face às vicissitudes por que passou a Barra, não podem deixar de ser feitas, como referiu Inês Amorim, na sua obra citada:
[O que teria acontecido] «se Luís Gomes de Carvalho não tivesse seguido aquele rumo e cortado a barra naquele lugar… com aquela direcção? Poderia mesmo fazer melhor… com as gentes impacientes e cansadas de esperar…? Com uma tecnologia à escala da época, face a uma natureza caprichosa, com um orçamento, sempre, insuficiente…? Cada um dos intervenientes teve estes dilemas e enfrentou decisões difíceis, demoradas, aconselhando, sempre, a paciente observação, até que chegasse a monitorização…»

Não se julgue, contudo, que a barra deixou de ter problemas. 
Na história da abertura da Barra de Aveiro e das consequentes obras que nunca mais deixaram de acontecer, ficam-nos, como testemunhos concretos de trabalhos desenvolvidos, os nomes dos responsáveis políticos e dos técnicos que elaboraram os projectos e acompanharam os trabalhos com o seu saber e arte.

Dos anónimos, em número de muitas centenas, porventura  milhares, que deram o seu esforço e vidas, não reza a história. De pá e enxada, mergulhados nas águas inquinadas ou ao frio inclemente, carregando estacas e pedregulhos, de sol a sol, pagos com míseras moedas, todos caíram em sepulcral esquecimento.

Orquídea Ribau, em artigo publicado no meu blogue “Galafanha”, descreveu o retrato simples, de cores negras, de um trabalhador das Obras da Barra, que «morreu junto às paredes de Nossa Senhora da Conceição cujas estão nas veias da Gafanha». Diz assim:

«Requeixo - Manoel de Oliveira da Estrada Em dois de Março de mil oitocentos e sete anos faleceu da vida presente sem sacramentos por se achar morto junto às paredes de Nossa Senhora da Conceição cujas estão na veia da Gafanha e aí morreu com frio vindo ajudar a abrir a Barra Manoel de Oliveira da Estrada do Lugar e Freguesia de Requeixo casado que era com Maria Francisca filho de João de Oliveira e Francisca João do Lugar da Taipa da mesma Freguesia foi amortalhado em um lençol que lhe deu a Santa Casa da Misericórdia e acompanhado pelos Irmãos da dita Santa Casa era ordinário na altura magro barbas e cabelo preto salpicado de branco e foi sepultado no Adro desta Igreja de Vagos de que fiz este assento que assinei era ut supra (Assinatura) O Parº. Manoel de Almª. e Payva…” à margem do assento: “ Fiz 1 Nocturno era pobre” (e assinou o Pároco). 

Inclinemo-nos em silenciosa homenagem, em nome dos primeiros habitantes da “Gafenha”, nossos antepassados, respeitosos e solidários protagonistas de esforçada aventura de sobrevivência e progresso. 

Orquídea Ribau

In www.galafanha.blogspot.com



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