14 de Janeiro de 1912
Igreja matriz
Bênção da nova igreja matriz da Gafanha da Nazaré
Conforme lembra o Padre Resende, em artigo publicado no jornal O Ilhavense, em 1958, a nova matriz da Gafanha da Nazaré foi inaugurada em 14 de janeiro de 1912, «a cuja bênção» assistiu. Refere que é uma igreja «cheia de luz e digna do seu fim», tendo sido o resultado da «febre e gosto da autonomia». Porém, Nogueira Gonçalves informa, no seu “Inventário Artístico de Portugal”, que o novo templo foi inaugurada em 1918. Sabendo-se que a pedra de ara foi transferida da primeira matriz para a igreja em construção, é certo que a missa deixou de ser celebrada na Chave. Mas como o Padre Resende diz que assistiu à bênção naquela data, não podemos duvidar. As obras continuaram e é de supor que mais tarde tenha havido qualquer cerimónia tida como festa de inauguração.
Entretanto, o Padre Resende não deixa de lamentar, no mesmo artigo, a demolição da primeira matriz, em 1916 ou 1917, «de forma tão vandálica e desnecessária», podendo servir hoje [1958] «para descongestionar a grande afluência dos fiéis, que frequentam em grande massa a igreja paroquial».
Neste ano do centenário da inauguração da nossa igreja, importa sublinhar que durante um século o templo que hoje conhecemos passou por diversas obras de conservação e adaptação às novas necessidades paroquiais, tendo sido as mais recentes e mais significativas feitas sob a responsabilidade pelo Prior José Fidalgo.
Voltando atrás, é justo recordar a visão dos nossos conterrâneos, liderados pelo Prior Sardo e por outro gafanhão, Manuel Ribau Novo, homem prático e muito respeitado pela população, que souberam escolher um lugar central da freguesia e mobilizar o povo para a participação ativa na construção, contribuindo com as suas dádivas e serviços.
Pia batismal
Em entrevista que nos concedeu em 1971, João Fernandes Casqueira, mais conhecido por João Catraio, explicou: «A comissão da construção da igreja coletou os lavradores em 1000 réis por mês (valor de um par de sapatos ou de um leitão, à época), mas nem todos pagavam, como é natural, e alguns só davam o que lhes apetecia; outros não deram nada porque não concordavam que a igreja fosse construída neste lugar. Não viam que este era o local mais central.» E acrescentou: «Agora não se compreende a importância desse facto, mas não nos podemos esquecer que há 60 anos todos os caminhos que davam à igreja eram de areia e água no inverno, o que tornava difícil as deslocações.»
No auto de revista da capela, em 30 de julho de 1910, necessária para o Bispo de Coimbra (Diocese a que pertencíamos) saber se havia condições para a criação da paróquia, dedicada a Nossa Senhora da Nazaré, «por ser essa a vontade dos novos paroquianos», foi referido que havia vasos sagrados e demais alfaias para o culto, bem como a pia batismal, «que é nova».
Quando entramos na nossa igreja, olhamos sempre com ternura para a mesma pia batismal, porta de entrada na comunidade dos crentes pelo batismo. É, sem dúvida, um dos maiores símbolos que nos ligam aos nossos antepassados.
Carros de bois puxados por homens
«A capela que servia toda a Gafanha e que se situava no lugar da Chave era muito pequena pois tinha somente uns 20 metros de comprimento por oito de largura. Muito antes das missas já ela se encontrava repleta e o senhor prior, algumas vezes, tinha dificuldades em passar para abrir a porta.
O povo da Marinha Velha era o mais sacrificado pois, no inverno, tinha de passar maus caminhos. Mas posso dizer-lhe que o temporal não impedia que todos comparecessem. O povo de há 50 anos [com referência ao ano da entrevista] cumpria escrupulosamente os seus deveres religiosos e ainda me lembro de ver homens a caminho da igreja, descalços, de calças arregaçadas e de gabão pelos ombros.
Foi na Marinha Velha que nasceu a ideia da nova igreja e lá se formou a comissão que ficou assim constituída: António Ribau, Manuel Joaquim Ribau, Manuel José Ribau, João Maria Casqueira, João Pata Novo e António Pata. O terreno foi oferecido pelos senhores António Ribau e João Maria Casqueira.
Os mestres foram os senhores Joaquim Conde, Lázaro Conde, Paulino Conde e José Lopes Conde.
Não havia dinheiro para começar as obras, mas o senhor Manuel Ribau Novo prometeu arranjá-lo e conseguiu.
Emprestou algum o senhor Inocêncio Esteves, pai do senhor Alfredo Esteves, este mais conhecido do povo da Gafanha.
Para terminar, por hoje, só lhe quero contar um pormenor que mostra os sacrifícios que passámos e o amor e o entusiasmo com que nos entregámos à obra.
A pedra para os alicerces vinha de Eirol e era descarregada na Cambeia (portas d’água) pois vinha de barco e dali era transportada em carros de bois puxados por homens. Não se admire porque nesse tempo os lavradores vendiam os bois em janeiro e só em maio voltavam a comprá-los.»
João Catraio, em entrevista ao “Timoneiro”
Fernando Martins
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