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A Cale da Vila já competia com qualquer vila ou cidade,
na década de 40 do século passado
“A sucasa era destinada, como as poucas que ainda existem, para colocar a salgadeira e para arrecadação de algumas alfaias e ferramentas agrícolas, bem como para a instalação das camas das filhas do casal. Os filhos dormiam fora de casa: ou nas proas dos barcos presos ao moirão na borda, ou nas mesmas proas dos barcos cortados que para esse fim eram instalados nos pátios, ou ainda nos palheiros. Este costume vinha dar relevo ao rifão, ainda agora muito em voga: cama de rapaz solteiro - ninho de cão!”, lê-se na Monografia da Gafanha, do Padre João Vieira Rezende.
“A altura destas casas, que tinham quanto muito duas pequenas janelas, não ultrapassava três metros. Ainda agora - prossegue o Padre Rezende - se nota o seu pouco pé direito, com as soleiras e soalhos quase empastados no solo. Concorrerá para isso a tradição e também o desabrigo da região”.
Claro que este tipo de habitação foi-se modificando, graças ao poder de compra dos gafanhões. Os terrenos foram melhorando, mercê da utilização do moliço que começou a ser apanhado à beira-ria, que os primitivos gafanhões não tinham embarcações para se aventurarem na Ria. Só depois, com o decorrer dos tempos, isso aconteceu. Mas foi então o moliço e o esterco do gado, como já dissemos, que levaram os campos a produzir mais, dando aos agricultores a possibilidade de ter mais algum dinheiro no canto da arca.
“Começaram desde logo a aparecer os soalhos, forros, guarda-louça, e também as casas de arrumação e as casas da eira, para onde foram passando todas as coisas que até ali ocupavam lugares indevidos. Apesar desse avanço, ainda hoje (1940) existem casas daquele antigo tipo, embora poucas, sem soalho nem forro, mas ainda há bastantes com a sucasa. Quem hoje, porém, visita a Gafanha verificará que nos últimos tempos, com todas as modernas manifestações da vida social, também se operou nela uma verdadeira revolução no que diz respeito ao tipo de casas. Têm sala e dois ou três quartos espaçosos, duas cozinhas, servindo uma delas de sala de mesa, e corredor que em muitos casos já ocupa o centro da habitação. Os compartimentos amplos, as salas e as janelas rasgadas, enchem a casa de comodidades, ar, sol e luz. Ao norte da região há muitíssimas casas com o seu gradeamento de ferro, átrio e pequeno jardim de entrada. A Cale da Vila, com o aspecto das suas construções, está a competir com qualquer vila ou cidade modernas. E lembrar-nos nós que os ascendentes da actual geração habitavam outrora casas de madeira e de barro! Hoje vivem em lindos chalets, ou casas bastante cómodas, os filhos daqueles que há pouco mais de um século foram batidos pela miséria e pela fome que os assediavam nas aldeias de origem. Hoje, porém, como então, este povo é caracteristicamente bom, generoso, simples, tratável e resignado, conformando-se admiravelmente com toda a situação, ainda as menos desejáveis.” Assim falava e escrevia o Padre Rezende na década de 40.
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